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Bioinsumos e a perspectivas visionária das startups de AgBioTech

O crescimento da oferta de bioinsumos foi impulsionado pelo aparecimento de muitas startups dentro do setor. As descobertas feitas nos últimos anos, foram transformadas em produtos, que de uma forma ou de outra alcançaram os mercados. Muito desse empreendedorismo é devido a própria crise do setor acadêmico brasileiro, com cada vez menos vagas em universidades e institutos de pesquisas, e salários profundamente defasados e desestimulantes. Àqueles que não tiveram a oportunidade de migrar para outros países, tentam a todo custo tirar suas ideias dos papéis e transformá-las em riqueza para o país. Apesar de ser um cenário inaceitável, existe um lado positivo nesse contexto, que é a transferência da tecnologia, que deixa de ser apenas um artigo científico e se transforma em um produto. As startups se tornaram as avenidas para a transferência de tudo o que aconteceu dentro da academia, fazendo com que as descobertas cheguem às mãos de quem realmente interessa, destaca Rose Monnerat da EMBRAPA-CENARGEM. Não é apenas colocar um produto na prateleira, mas é de fato o fazer acontecer, chegando ao ator principal do processo, o produtor – reforça a pesquisadora.

Foi o que fez a Gênica Inovação Biotecnológica que surgiu de uma prodigiosa fusão entre conhecimento acadêmico e visão empreendedora. Essa conjugação somada a entrada de investidores e um ecossistema atraente como o do AgTech Valley – Vale do Piracicaba, fizeram toda a diferença no acesso ao mercado e a transferência da tecnologia. Hoje a empresa vai muito além dos microrganismos e já trabalha em projetos como novas moléculas orgânicas, expressão gênica e de outras naturezas, e chegando até os tradicionais inoculantes e produtos para controle biológico – descreve Marcos Petean, CEO da Gênica.

Para Rafael Vasconcellos, atual Diretor da Agroindústria da Itatijuca Biotech, a trajetória começa ao ser desafiado pela empresa, a transformar soluções que já eram empregadas na indústria de mineiração, em soluções para o agronegócio. A Itatijuca é um case de sucesso na recuperação de mineirais nobres através do lixiviamento utilizando microrganismos. Para Rafael que vinha de uma carreira acadêmica que passa da recuperação de derivados do leite ao entendimento da ecologia dos solos, o desafio era estimulante e factível. Hoje o foco da Itatijuca é o desenvolvimento de soluções biológicas que possam modular o microbioma do solo e a sua interação com a planta – desta Rafael Vasconcellos.

O momento de crise é de fato uma oportunidade para as startups?

O crescimento das startups de bioinsumos aconteceria com ou sem crise e pandemia. Basta analisar os números que demonstram que o setor vinha crescendo cerca de 40% ao ano. Mais importante do que esse número, é verificar que esse crescimento é alicerçado e sustentável. A Gênica cresceu 100% ao ano, nos dois anos de isolamento devido a pandemia. Entretanto, esse momento difícil fez com que muitas empresas se reinventassem para manter seu funcionamento e crescimento. Claro que isso só foi possível pois os bioinsumos estavam bem posicionados no mercado, o que facilitou e acelerou a aceitação das soluções biológicas – diz Marcos Petean. A guerra na Ucrânia traz uma série de impactos na cadeia de insumos. Por outro lado, os bioinsumos estão apoiados em uma forte rede de pesquisas, pessoas e empresas engajadas com o desenvolvimento das soluções. Este é um momento interessante para a indústria nacional que tem uma oportunidade única de crescimento e consolidação, com uma tecnologia integralmente nacional. Esse é o momento de definitivamente mudarmos o modo de pensar e usar os fixadores de nitrogênio, estimulantes de crescimento e solubilizadores de fósforo – acrescenta Marcos Petean.

O sistema de produção era totalmente favorável a entrada dos bioinsumos. Passamos utilizar fertilizantes em excesso e a um custo muito elevado. Os nossos solos de fato demandam um volume enorme destes fertilizantes, mas essa condição e as margens de lucro cada vez menores, nos fizeram repensar o sistema. A crise é apenas a janela que acelerou nossa forma de pensar sobre o assunto e isso se tornou de fato a grande oportunidade para quem queria empreender no setor – diz Rafael Vasconcellos.

Produtos e tecnologia que fazem a diferença

Um dos casos mais emblemáticos de transferência de tecnologia para solução de problemas de fertilidade, encontra-se em curso. É o caso do fósforo, que tornou-se um legado pela forma de uso, que gerou um reservatório atualmente indisponível. Os solos do cerrado e da maior parte do Brasil são pobres nesse nutriente, por outro lado, a natureza química e estrutural das nossas terras fazem com que boa parte do fertilizante fosforado aplicado no solo, fique retido em sua matriz de uma forma não acessível para as plantas. O uso excessivo de fertilizantes fosforados é justificável, porém agora é necessário acessar essa reserva de alguma forma e diminuir nossa dependência desse nutriente. A Itatijuca que já utiliza microrganismos para a solubilização de minerais nobres utilizou seu know-how para explorar com eficiência a solubilização de nutrientes do solo para as plantas – destaca Rafael Vasconcellos. A Gênica apresenta para o mercado um produto a base de cepas bacterianas do gênero Pseudomonas que atua diretamente nessa linha de solubilização de fósforo – apresenta Marcos Petean.

Há que se tomar cuidado em não se buscar soluções milagrosas, sendo que o uso indiscriminado destas tecnologias para a busca de um Santo Graal pode leva-las ao ponto da banalização – destaca Marcos Petean. O tema é bastante sensível e na verdade complementam tecnologias que já existem e estão consolidadas – reforça o executivo.

Outro ponto importante é imaginar que essas tecnologias trarão ganhos significativos de produção utilizando-se de menos recursos e isso é um equívoco. O mais importante destas tecnologias é a redução dos custos e a geração de crédito ambiental – destaca Mateus Mondin da ESALQ/USP.

Quais as novidades à caminho em bioinsumos?

É importante destacar que todo esse movimento dos bioinsumos leva ao reavivamento dos nossos solos e da nossa forma de fazermos cultivos – destaca Rose Monnerat. O que estamos fazendo de fato, nos bastidores de todo cenário econômico, é na verdade trazendo nossos solos de volta à vida, deixando-os verdadeiramente prontos para o recebimento das sementes. Esse renascimento é a chave para o sucesso de todo o sistema ambiental e para a segurança alimentar – reforça Rose Monnerat.

Neste cenário é importante mostrarmos que esses microrganismos não permanecem no solo de forma definitiva. Na verdade eles atuam em fases específicas do ciclo de produção. Atualmente os bioinsumos atuam de forma específica e o produtor precisa aprender a trabalhar com essa tecnologia. O uso inadequado dos bioinsumos não gera resultados – explica Rafael Vasconcellos.

Há muita coisa sendo desenvolvida dentro das universidades e dos institutos de pesquisas, sem falar das ações que já estão dentro das empresas e startups. Muito se fala atualmente em termos de novas moléculas orgânicas, que seriam capazes de modular a microbiota do solo, trazendo os organismos de interesse, sem a necessidade de aplicação dos mesmos. Ainda assim, há muito o que se fazer sobre os produtos que já estão comerciais, como por exemplo, a sua capacidade de persistência ou ainda da sua efetividade.

Quais são as grande limitações para que essas tecnologias se desenvolvam e cheguem ao mercado de forma mais rápida?

São vários os pontos e a falta de articulação, integração e interesse das partes são as mais evidentes. Certamente o mais grave continua sendo a falta de objetivo para o qual a ciência é feita. A maior parte dos pesquisadores não possui um treinamento que os permita entender e melhorar o foco de suas pesquisas. Há apenas como alvo os números e índices da cienciometria. Um das consequências disso, é que o país abre informações que jamais poderiam ser abertas antes de se tornarem patentes ou produtos, antes de serem transformadas em riqueza. Paga-se um alto preço por isso, pois nossas descobertas científicas são transformadas por empresas no exterior e vendidas de volta na forma de produtos a preços exorbitantes.

É fundamental que hajam parcerias para que se possa dar conta de toda a demanda. A própria EMBRAPA não tem como atender tudo o que lhe é apresentada. Há uma limitação de pessoal. Mais ainda, existe uma falta de comunicação entre os grupos de pesquisas com investidores com as empresas que irão comercializar esses produtos. As agências de pesquisa têm um papel central nisso, pois elas poderiam atuar como pontes com o setor privado para a transformação dessas descobertas em produtos – argumenta Rose Monnerat. É necessária a formação dos pesquisadores em termos de compreenderem a viabilidade econômica de suas descoberta – completa a pesquisadora.

 Os argumentos da Dra. Rose Monnerat estão corretos, existe uma enorme disputa por publicações, o que enfraquece fortemente as oportunidades de transformações das descobertas em produtos, pois é necessário que em determinado ponto haja integração entre os grupos e isso raramente ocorre – completa Rafael Vasconcellos. Deveríamos ter acesso a essas descobertas através dos canais de parcerias que a Dra. Rose Monnerat comentou, trazendo os investidores, diminuindo os riscos do desenvolvimento, que são intrínsecos ao processo. E esse é um ponto chave, pois os investidores brasileiros não tomam risco – completa Rafael.

Outro problema é que quando essas cadeias se fecham, frequentemente o pesquisador é deixado de lado. Ele não é premiado pelas descobertas e raramente participa com porcentagens que compensem seus esforços. Literalmente os pesquisadores não são estimulados a fazerem a inovação a partir de suas descobertas. Principalmente quando uma solução tem grande impacto econômico isso é ainda mais grave. O país não prestigia e nem acredita em seus pesquisadores e essa é a principal via de nos empobrecermos; o país não acredita em ciência e paga caro importando por coisas que poderiam ser produzidas no próprio país – complementa Mateus Mondin da ESALQ/USP.

Uma nação é cientificamente soberana quando ela consegue transformar suas descobertas em produtos que possam ser vendidos e gerar uma independência com relação ao que é produzido lá fora – completa o professor.

Ninguém é contra ao publicar os artigos científicos, muito pelo contrário devemos continuar publicando e crescendo nesse assunto, o ponto é não sabermos como fazer isso de forma estratégica. Grande projetos no exterior são tratados em redes transdisciplinares que garantem que cada parte do desenvolvimento possa ir para o destino certo. Normalmente o que se publica é aquilo que não se pode transformar em serviços ou produtos e na verdade essa é a maior parte dos resultados de um projeto científico – explica Mateus Mondin da ESALQ/USP. Devemos nos perguntar se devemos publicar tudo o que descobrimos ou se devemos estar protegendo isso de uma forma ou de outra, garantindo que sejam transformadas em soluções comerciais – complementa Rose Monnerat.

Nesse caminho ainda é necessária a capacitação da pessoas. Ainda temos um déficit muito grande de profissionais, não somente dentro da pesquisa, mas também que atuem em outras partes desta cadeia. Precisamos de profissionais de ponta a ponta, seja na universidade, dentro da planta produtiva das empresas, como técnicos de campo, assistência técnica, no campo das regulamentações e muitos outros – reforça Marcos Petean.

Regulamentação e registros de produtos biológicos são um desestímulo a criação de novos negócios ou produtos da cadeia de bioinsumos?

Certamente para a criação de novas empresas, sim, é desestimulador. A via burocrática é tão longa que poucos se aventuram por esse caminho. Por outro lado, a grande questão é se toda solução biológica descoberta é motivo para abertura de uma nova empresa. As vezes o que se precisa são vias ágeis para a transferência dessa tecnologia aos invés da criação de mais startups – explica Rose Monnerat.

Especificamente no campo regulatório e de registros, se houvesse desburocratização dos processos e exigências específicas; com certeza teríamos um número muito maior de produtos sendo ofertados no mercado. O atual mecanismo regulatório de registros é desestimulante e é um das barreiras que impedem a chegada dos novos produtos ao mercado – concordam Rafael Vasconcellos e Marcos Petean. Além disso, o regulatório não acompanha o desenvolvimento científico, isso se tratando de coisas mais simples como o uso dos microrganismos como agentes ativos. Image agora se trouxermos para esse assunto questões como a ecologia microbiana, a manipulação do microbioma, o uso de metabólitos nessa manipulação e o desenvolvimento de microbiomas sintéticos – desafiam os Rafael e Marcos. É urgente que melhoremos o processo regulatório para que estejamos prontos para essa revolução científica e tecnológica.

Os custos de registros também são outros pontos de estrangulamento do processo de transferência da tecnologia. Atualmente os custos de registros dos biológicos são compatíveis com aqueles de produtos químicos tradicionais. Faltam ajustes, como por exemplo, são exigidos atualmente testes que são totalmente desnecessários por estarmos falando de um produto vivo. Com isso o tempo que se gasta para se aprovar uma liberação de um produto, gera um prejuízo enorme para a empresa – comenta Marcos Petean. Para um jovem empreendedor tentando colocar sua solução no mercado, esse entrave é ainda mais grave, pois como ele irá se manter entre a abertura da empresa e a aprovação de comercialização do seu produto? – questiona Rose Monnerat.

O controle de qualidade é mais importante que a regulamentação e registro dos produtos?

Existe uma cobrança demasiada sobre a questão de registro e esquece-se da qualidade dos produtos. É uma cobrança descompensada, pois o controle de qualidade pode ser tão mais importante em produtos vivos do que seu próprio registro. Obviamente que não estamos sendo levianos em dizer que os registros não são importantes, muito pelo contrário é fundamental seu registro. O que se está colocando em pauta é de que, de nada se adianta um sistema super rigoroso de registro se posteriormente não há nenhuma medida de controle efetiva, que garanta a qualidade do produto.

Não são poucas as discussões sobre metodologias de análises para controle de qualidade em produtos microbiológicos. Sendo assim, toda a metodologia que visa essa qualidade dos produtos faz bem ao mercado e a toda cadeia de produção. As linhas moleculares são certamente as menos voláteis e as mais seguras em termos de garantias – destaca Marcos Petean.  Acreditamos que a formação de pacotes de análises gere garantias mais reais sobre a qualidade de produtos – comenta Mateus Mondin.

Estamos prontos em bioinsumos para atingirmos o mercado internacional?

Esse é um debate que está contagiando o mundo todo. Não são poucas as experiências de introdução mal-sucedidas de um organismo vivo de um lugar para outro. O fato é que o organismo que é benéfico em um determinado ambiente, pode ser extremamente danoso em outro local. Por isso, é fundamental respeitar as leis locais sobre a introdução de organismos vivos. O descontrole de um organismo pode trazer drásticas consequências – reforça Rose Monnerat. Vale lembrar que existem mais de 10 mil microrganismos por grama de solo para serem explorados. Não há porque se trazer nada de fora considerando-se essa biodiversidade – completa Rafael Vasconcellos.

Por outro lado, existem sim estratégias que permitem a atuação das empresas nos mercados internacionais, respeitando-se todos esses requisitos. Tanto que atualmente a Gênica está com operação aberta no Paraguai e outros países da América Latina têm demonstrado interesse nas soluções que são criadas pela empresa. Há muito o que se explorar em termos de mercado internacional, sendo que a própria África é um horizonte promissor e mesmo a Austrália em suas faixa tropicais de produção é um local para mantermos nossos olhos – argumenta Marcos Petean

Esses cenários demonstram claramente que a cadeia de bioinsumos continuará sendo de grandes oportunidades, mas que certamente o conhecimento científico e tecnológico serão os seus principais motores, desde que acompanhados de investimentos e tomada de riscos por parte dos investidores e com certeza de uma modernização urgente e severa das políticas regulatórias.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro

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Essa matéria é resultado do evento StartTrends – EMBRAPA: Bioinsumos – soluções e desafios em tempos de crise, que contou com a participação da Dra. Rose Gomes Monnerat Solon de Pontes – EMBRAPA-CENARGEM, Dr. Marcos Petean Gomes – CEO da Gênica Inovação Biotecnológica, Dr. Rafael Vasconcellos – Diretor da Agroindústria da Itatijuca Biotech e Prof. Dr. Mateus Mondin – Departamento de Genética – ESALQ-USP