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Bioinsumos contextualizados no cenário de crise

Embora seja o assunto do momento, a história dos bioinsumos tem mais de 30 anos, considerando isoladamente os esforços da Dra. Rose Monnerat da EMBRAPA-CENARGEM. Desde que iniciou seus trabalhos na instituição, a pesquisadora vem constituindo uma das maiores e mais bem detalhadas coleções de microrganismos do país. Muito antes de qualquer crise ou pandemia, o setor de bioinsumos vinha crescendo de forma acelerada. Não é por menos que Edsmar Resende, da gestora de recursos 10b, fez o primeiro investimento em uma empresa de produtos biológicos ainda em 2007. É difícil no atual cenário dizer que a onda dos bioinsumos é resultado apenas do momento atípico que estamos vivendo. O fato é que um dos pontos chaves para essa transformação vem dos elevados custos de produção agrícola, que dispararam nos últimos 20 anos e de uma margem de lucro cada vez menor como consequência deste aumento. Embora para a maioria dos leigos em agronegócio possa parecer diferente disso, as margens de lucro do setor têm reduzido ano a ano, aponta o Dr. Marcos Faria da EMBRAPA-CERNAGEM.

Esse cenário faz com que as soluções biológicas pareçam como uma bala de prata para os produtores, que estão desesperados por um modelo que permita a redução dos custos e de alguma forma melhorem suas margens de lucro. Nota-se que a maior motivação para a adoção destas tecnologias é puramente financeira e não passa necessariamente por um ganho de consciência ambiental. O ganho em sustentabilidade é uma consequência da adoção de soluções biológicas para a melhoria do fluxo de caixa. Para tanto, é necessário que essas soluções apresentem uma efetiva ação frente aos manejos químicos tradicionais. Existe ainda muita polêmica com relação ao uso de bioinsumos e sua efetividade, por ser um movimento ainda novo. A própria EMBRAPA-CERNAGEM precisou esperar por praticamente 30 anos para começar ver os seus organismos começarem a ganhar o mercado ou pelo menos serem considerados como potenciais para a geração de novas formulações.

Bioinsumos: fato ou mito?

Historicamente, toda tecnologia implementada na agricultura que não faz uso de métodos tradicionais, sempre é vista com desconfiança pelos produtores. Um caso clássico, foi a introdução do método de plantio direto e do uso de inoculantes no Brasil, que muitos chegaram a bramar como um tipo de charlatanismo. Entretanto, o que se vê mais de 40 anos depois dos pioneiros iniciarem seu uso, é que essa se tornou uma técnica de manejo padrão, destaca Edsmar Resende. O que se tem hoje é uma excelente janela de oportunidades em termos de adoção de tecnologias. Essa adoção ganha ainda mais força por vir desatrelada de variações cambiais, dependência de insumos importados e contar com conhecimento científico exclusivamente feito no Brasil.

A que se considerar ainda que os bionsumos apesar de parecem simples, são altamente sofisticados em termos de exigências técnicas. Não se pode armazenar como se armazena um produto químico; não se pode aplicar como se aplica a maior parte dos insumos agrícolas; são necessários cuidados que antes não eram e que não fazem parte da rotina dos produtores, enfatiza Marcos Faria. Não há dúvida de que para se alcançar os resultados com os bioinsumos, é necessário um certo grau de tecnificação, disposição e coragem na mudança de modelos de manejo, o que normalmente vai ser observado apenas em produtores mais profissionais.

Bioinsumos substituirão completamente os produtos químicos?

O maior problema dos dias de hoje quanto ao uso de produtos químicos é seu elevado custo. Ninguém questiona sua efetividade ou sua segurança de maneira geral. Entretanto, como apontado anteriormente os custos de produção elevados e as margens de lucro reduzidas, chamam a atenção dos produtores para novos modelos de produção. Os bioinsumos possuem um custo muito menor do que dos químicos tradicionais e isso faz uma grande diferença. Os produtores que fazem bom uso dos bioinsumos gostam dos resultados e se tornam fiéis a tecnologia e com isso a demanda por produtos se torna cada vez maior. É literalmente um êxodo por questões financeiras.

É evidente que essa migração contínua e crescente, nos leva a acreditar que o uso de bioinsumos pode substituir significativamente o de produtos químicos, mas isso passa por um processo de substituição, que não é simples e nem rápido. Aos poucos a questão da vida e da sustentabilidade começa ganhar força e a voz dos produtores, que começam a ver e a entender as melhoras advindas deste novo modelo e não apenas do resultado financeiro tão almejado. Estamos literalmente vivendo um forte movimento de volta vida, onde passamos a compreender que de fato, o método alternativo é o químico, que não é natural. Enquanto, isso as soluções biológicas ganham em força como processos naturais e assertivos.

Fragilidade dos bioinsumos: é possível confiar nos produtos biológicos?

Um dos grandes desafios atuais de um setor que cresce de forma muito acelerada, é o de garantir que os produtos contenham exatamente o que dizer conter. A falha deste processo pode levar a um cancelamento da tecnologia ou a um retardo significativo em sua adoção. Existem muitos desafios técnicos, estruturais e logísticos quando se trata de bioinsumos. Por exemplo, produtos a base de fungos possuem vários problemas de qualidade e de uso de isolados pouco efetivos, afirma Marcos Faria. Em estudos laboratoriais em seu grupo de pesquisa, foi verificado que a comparação de um isolado de fungo já comercial, não era comparável com as amostras do banco de germoplasma da EMBRAPA-CERNAGEM, sendo o menos efetivo entre 20 materiais testados.

Outro problema é a concentração dos produtos que se encontram no mercado. No caso de fungos não é recomendada a aplicação de menos de 1012 conídeos por hectare, por outro lado são raros os produtos que permitem aplicação destas concentrações, explica Marcos.

Existem ainda outros problemas, como o tempo de prateleira declarado nas embalagens, pois não há um consenso de como isso deve ser medido ou determinado. Há que se melhorar a persistência ambiental destes organismos, uma vez que eles perdem rapidamente seu poder de ação em decorrência da radiação solar. Também perdem eficiência quando são colocados em misturas com outros insumos na calda de aplicação, dentro de uma estratégia de manejo que visa a economia do uso de maquinário. Os estudos sobre compatibilidade entre produtos químicos e biológicos ainda são muito iniciais.

Existem fragilidades do ponto de vista legal, o que torna difícil a distinção de classes de produtos. Hoje produtos biológicos e produtos químicos são enquadrados no mesmo grupo. Isso é completamente incompatível e gera distorções sobre a efetividade dos produtos, já que os modos de ações são distintos. Obviamente isso não isenta a necessidade de um maior número de estudos sobre doses de recomendação, o que hoje é um problema.

Da prospecção a oferta de novos organismos como produtos para o mercado

A prospecção de cepas e isolados continua sendo uma frente muito forte de muitas empresas e mesmo dos institutos de pesquisas. Para as empresas esse pode ser um gasto de recursos e energias, frente a chance de se conseguir algo que de fato possa ser comercialmente significativo. Edsmar Resende, destaca que a Agrivalle ao longo de sua história avaliou mais de 30 mil cepas e isolados para chegar a um conjunto de aproximadamente 800 microrganismos com reais potenciais de se tornarem produtos. Ainda assim, será necessário o uso de tecnologias mais eficientes em termos de seleção dos microrganismos, como a bioinformática, para que o processo de seleção seja mais eficiente. O desenvolvimento de novos produtos vai muito além de se trazer novos organismos. Entender o potencial dos organismos que já estão no mercado e seus efeitos secundários na mais diferentes culturas, é a frente mais promissora de diferenciação de mercado. Por exemplo, um determinado microrganismo que nunca havia sido utilizado em cafezeiros, além de mostrar o seu efeito primário esperado, também produziu como efeito secundário um ganho na qualidade da bebida em torno de 5% e esse resultado não era previsto em nenhum estudo ou em qualquer previsão.

Nesse ponto a regulamentação brasileira atrapalha enormemente o avanço da tecnologia. Os produtos químicos são totalmente regulamentados em termos de dupla-funcionalidade, ação multi-sítios e outras. Enquanto isso, ainda não é permitido para produtos biológicos registros de dupla-funcionalidade, o que é um tamanho contra-senso considerando sua natureza viva. Não poder explorar essa diversidade de efeitos de forma explícita é um grande prejuízo para as empresas que desenvolvem essas tecnologias e um atraso em termos de ganhos de sustentabilidade pelo apelo dos produtos.

Proteção intelectual, proteção de linhagem genéticas e controle de qualidade

Não são poucos os investimentos para o desenvolvimento de bioinsumos, mas diferentemente de uma variedade de plantas ou de uma raça de animal, não há garantias legais de que apenas o desenvolvedor poderá fazer uso do seu material genético. É claro que o patenteamento do organismo não é aceitável e nem justo, mas suas derivações e melhorias como material genético diferenciado fazem todo sentido. Entretanto, isso esbarra em alguns problemas como a falta de especificações de referência. Essas especificações seriam além de tudo, o primeiro grau de controle de qualidade, explica Rose Monnerat. É necessário que ainda se avance muito nos estudos genéticos para que se tenha uma classificação mais profunda dos materiais, destaca Rose Monnerat. Em alguns casos é possível chegar ao nível de diferenciação de isolados como os artigos científicos têm demonstrado, complementa Marcos Faria.

Apesar das dificuldades é sabido que existem usos indevidos de materiais biológicos, para os quais deveriam estar se pagando royalties. Boa parte destes organismos são oriundos de instituições de pesquisa do país que sofrem um prejuízo muito grande por esse uso indevido. A consequência é um sucateamento da pesquisa que fica com financiamentos escassos. Se os usuários tivessem consciência e fizessem os devidos pagamentos de licenciamentos para as instituições de pesquisas, essas instituições poderiam continuar seus trabalhos e abastecer as empresas de forma continua com novidades. É lamentável que esse tipo de coisa aconteça no país, considera Edsmar Resende.

Edsmar Resende ainda ressalta que uma solução para a Agrivalle foi o desenvolvimento de combinações de microrganismos e sua estabilização em determinados produtos. Esse foi um processo científico longo, mas que rendeu 12 patentes globais, o que de certa forma dá garantias para todo o trabalho que a empresa realizou em termos de pesquisa e desenvolvimento.

De qualquer forma é necessário falar sobre controle de qualidade. Como relatado anteriormente no início deste artigo, a entrada de produtos de baixa qualidade podem comprometer a confiabilidade de todo o sistema. Deixar apenas para que o mercado se auto-regule pode levar a outros problemas. Atualmente não há garantias de que os produtos contenham apenas aquilo que estão dizendo conter e trabalhos científicos têm revelado que podem haver contaminantes com potencial patogênico tanto para os cultivos como para os próprios seres humanos. Toda iniciativa mesmo que independente de garantir a segurança e a qualidade dos bioinsumos é bem vinda, desde que feita de forma imparcial e rigorosa. As empresas que conseguirem imprimir isso de forma explícita em seus produtos terá um grande diferencial de mercado, afirma Mateus Mondin.

Produção On-farm de bioinsumos: solução ou tragédia anunciada?

A produção on-farm não é apenas a produção de bioinsumos em reservatórios inadequados, mas também a produção informal, não autorizada e não comercial de produtos biológicos. Um dos grandes problemas é que as produções on-farm partem de produtos comerciais e isso não tem sido caracterizado como biopirataria, segundo Marcos Faria; porém isso é um desvio ético com enormes prejuízos para as empresas. Se há produtos com problemas de eficiência de seus isolados e cepas, se há problemas de concentração e contaminações, imagine esse produto sendo utilizado como ponto de partida para uma produção independente? Ou seja, está tudo errado. No mínimo o produtor deveria utilizar isolados e cepas das linhas de referência, mas para isso precisariam pagar seus devidos licenciamentos. Tudo que cresce muito rapidamente e de forma descontrolada, tendem a explodir em algum momento. Em três estudos científicos independentes são mencionadas que as produções não continham o organismo de interesse e mais ainda foram identificados organismos com potencial patogênico para seres humanos. Esse tipo de resultado preocupa principalmente quando se pensa no uso destes bionsumos on-farm em hortifrúti, onde os riscos de contaminação aos seres humanos é de forma direta.

É fundamental se trabalhar em regulações e legislações, é necessário levar cursos de capacitação aos produtores, para que condições mínimas de qualidade sejam atendidas nessas produções de bioinsumos on-farm, afirma Rose Monnerat.

O mais importante é que o produtor precisa incorporar o conceito de que, quando se está trabalhando com soluções biológicas, se está trabalhando com organismos vivos.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro

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Essa matéria é resultado do evento StartTrends – EMBRAPA: Bioinsumos – soluções e desafios em tempos de crise, que contou com a participação da Dra. Rose Gomes Monnerat Solon de Pontes – EMBRAPA-CENARGEM, Dr. Marcos Rodrigues de Faria – EMBRAPA-CENARGEM, Dr. Edsmar Carvalho Resende – Co-founder da 10b Gestora de Recursos e Board Member da Agrivalle Brasil e Prof. Dr. Mateus Mondin – Departamento de Genética – ESALQ-USP