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Na pegada do carbono – parte 2

Todos as atenções voltadas para os alimentos e nossos hábitos

No artigo anterior apresentamos as questões centrais e fundamentais sobre as questões que envolvem o carbono na natureza, sua pegada e impactos correspondentes para as mudanças climáticas e outros impactos ambientais. Também comentamos os desafios técnicos de como realizar as medidas de emissões de gases de efeito estufa e introduzimos a noção do impacto de nosso próprio estilo de vida nesse sistema e como nós mesmos somos agentes diretos desse processo.

O que poucos sabem é que um dos setores que mais sofre pressões para reduzir seu impacto ambiental é a indústria de alimentos e não são poucos os esforços desse setor para vencer o desafio que tem uma atenção especial ao assunto, já que é o mais próximo do consumidor. O caminho mais promissor continua sendo o investimento em empreendedores-cientistas que sejam capazes de criar ferramentas que possam resolver o grande problema técnico do momento, o de como medir as emissões de carbono ao longo de toda a cadeia de produção de alimentos. Isso implica em saber o que acontece antes dos plantios nas fazendas até o destino das sobras de alimentos.

Esse assunto é tão crítico que na Europa o sistema regulatório está cada vez mais rigoroso com relação a industria de alimentos e seus impactos ambientais. A Europa tem as legislações mais avançadas do mundo nesse campo e certamente é a região que avança mais rapidamente para implementação das normas que permitirão a redução das emissões de gases de efeito estufa. Os países da União Européia tem a liberdade de estabelecer seus próprios padrões para estimar a pegada de carbono dos produtos alimentícios e a seguir o bloco econômico desenvolve um sistema de pontuação para homogeneizar a base de classificação.

Na França, por exemplo, está prevista para entrar em vigor até o final do ano a implantação do E-Score, um novo sistema de rotulagem de alimentos que leva em consideração o impacto de cada produto no meio ambiente. Esse sistema de classificação foi desenvolvido pela Agência Francesa de Meio Ambiente e Gestão de Energia e faz parte das ações prevista na Lei de Clima e Resiliência. O foco principal dessa iniciativa são os consumidores, fornecendo informações que possam auxiliar nas escolhas mais conscientes e menos prejudiciais ao meio ambiente.

Essas medidas regulatórias e o uso de novas ferramentas de medição da pegada de carbono na indústria de alimentos refletem uma crescente preocupação com a sustentabilidade e a necessidade de mitigar os impactos negativos da produção e do consumo de alimentos no meio ambiente. Espera-se que essas iniciativas incentivem as empresas a adotar práticas mais sustentáveis e forneçam informações valiosas aos consumidores, permitindo-lhes tomar decisões mais informadas e ecologicamente conscientes.

O caminho é a inovação tecnológica, como da startup Carbon Maps, que avalia o impacto ambiental dos produtos ao invés das empresas. Fundada por três veteranos do setor de sustentabilidade, Patrick Asdaghi, Jérémie Wainstain e Estelle Huyhn, a Carbon Maps utiliza modelos matemáticos e inteligência artificial para coletar e analisar informações sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de produtos alimentícios em todas as etapas de sua produção, desde os agricultores até os consumidores. A tecnologia foi nomeada de GreenTech e é oferecida no formato de plataforma, que além destes dados, ainda oferece informações sobre o impacto na biodiversidade, uso de água, qualidade do solo e bem-estar animal. Com base nessas informações, todos os envolvidos na cadeia de produção – produtores, cooperativas, marcas e distribuidores – podem definir estratégias climáticas mais precisas para suas operações.

O pitch da Carbon Maps foi matador, pois em apenas poucas semanas após sua fundação a startup convenceu os fundos Breega e Samaipata a investirem em uma rodada de seed que arrecadou US$ 4.3 milhões [~ R$ 21,5 milhões], mesmo a empresa não estando sozinha e tendo como seus concorrentes, francesa Greenly, as americanas Persefoni e Watershed e a britânica Foodsteps.

Segundo os investidores a Carbon Maps destaca-se por revelar as emissões de gases de efeito estufa associadas a produtos alimentícios, proporcionando maior transparência e consciência ambiental na indústria, sendo esse seu grande diferencial. Outro ponto de convencimento para os investidores é que as marcas de alimentos estão enfrentando uma pressão crescente dos consumidores e dos órgãos reguladores para construir um futuro mais limpo e inclusivo. Nesse sentido o sistema da startup leva em consideração no seu sistema de classificação diferenças mínimas entre produtos de uma mesma categoria, como por exemplo, os ingredientes e os métodos de cultivo. Detalhes que fazem toda a diferença, pois se o consumidor está comprando carne proveniente do Brasil, saber se o gado foi alimentado em confinamento ou alimentado totalmente a pasto, faz toda diferença na cadeia final de emissão de carbono.

Entretanto, o desafio assumido pela Carbon Maps não é homérico. Basta lembrar que as cadeias de suprimentos e produção de alimentos são longas e envolvem um número quase infinito de participantes. Então para que o sistema proposto funcione, idealmente, todos os envolvidos em cada etapa deveriam medir sua pegada ambiental. Para isso é necessário que a transparência nos negócios, como frequentemente alertam os analistas de mercado, seja realmente implementada e com isso se garanta a sustentabilidade, resiliência e produtividade dos sistemas agroalimentares.

No caminho contrário a sofisticação tecnológica descrita acima, existem outras opções mais simples e mais acessíveis para se ter uma estimativa do tamanho da sua pegada de carbono. Um exemplo disso é o site Carbon Footprint, que apenas com base em algumas informações básicas simples consegue fornecer uma quantificação das suas emissões de carbono. Embora o valor seja aproximado, a Carbon Footprint oferece uma ideia e permite repensar suas escolhas diárias e tudo é oferecido de forma gratuita.

Existem também empresas que vão além de oferecer apenas cálculos e informações para tomada de decisões, e oferecem serviços para neutralização de carbono para indivíduos e empresas. Esse é o caso da Eccaplan. Segundo a empresa, as emissões inevitáveis podem ser compensadas por meio de projetos ambientais certificados. Isso significa que a mesma quantidade de CO2 emitida é neutralizada por meio de investimentos e adoção de tecnologias limpas. A compensação de carbono não apenas apoia financeiramente projetos ambientais, mas também melhora a qualidade de vida das pessoas e promove o uso sustentável de áreas verdes.

O desafio é chegar cada vez mais próximos de atividades ordinárias do dia a dia e que ajudem a minimizar os efeitos do consumo e o impacto ambiental e uma forma de se fazer isso de maneira penetrante é o uso de aplicativos. Dentro deste segmento destaca-se a startups austríaca Inoqo, que oferece um aplicativo de mesmo nome, com o objetivo principal de auxiliar nas escolhas diárias relacionadas ao consumo de alimentos que sejam benéficos para o planeta. O aplicativo Inoqo monitora a sustentabilidade dos alimentos disponíveis em supermercados, lojas e outros estabelecimentos comerciais. O Inoqo simplesmente recomenda quais produtos têm menor emissão de dióxido de carbono e o usuário decide por comprar ou não comprar o produto. Uma característica inovadora do aplicativo é que o usuário pode especificar suas metas de sustentabilidade.

Fica evidente pelas soluções oferecidas pelas startups que todos estamos envolvidos nessa missão humanitária de sustentabilidade e sobrevivência em nosso planeta. Seja como cidadão ou como empresa do segmento de alimentos, as tecnologias já estão em nossas mãos para o desenvolvimento de um mundo melhor.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro