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Da edição de genes à semente – como a biotecnologia está revolucionando os canaviais

A biotecnologia está fazendo uma revolução nos canaviais. É essa a conclusão que se chega ao final do painel O Etanol 2G e novas técnicas de multiplicação – a semente de cana, realizado durante a 22a Conferencia Internacional DATAGRO sobre açúcar e etanol que ocorreu entre os dias 24 e 25 de outubro de 2022. O que se vê é que a pesquisa e desenvolvimento em cana-de-açúcar, seja ela do setor estatal ou privado, está trazendo para os produtores avanços significativos e de última geração. Não estamos mais falando daquela pesquisa feita em laboratórios e ainda longe de ser um produto. Essa fase já foi vencida de acordo com os painelistas. O que está ocorrendo agora é a entrega de todo esse investimento.

Uma das grandes promessas biotecnológicas vem da edição dos genes através do sistema CRISPR-Cas9, que rendeu o prêmio Nobel em Química de 2020 para Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna. Há uma expectativa muito grande sobre essa tecnologia aplicada às ciências agrárias em especial ao melhoramento de plantas. Embora não anunciado como um produto, ainda, o CTC diz que a edição de genes está avançando em seu centro de Saint Louis nos Estados Unidos e que uma variedade de cana-de-açúcar com genes editados deixará de ser uma promessa em breve. Por outro lado, variedades de cana transgênicas já são uma realidade. Essas variedades transgênicas proporcionam um melhor controle de pragas, uma redução no uso de agroquímicos, redução nos gases de efeito estufa por haver menor trânsito de máquinas, uso mais eficiente da água e outros recursos. Entre os destaques estão uma variedade resistente à broca e outra com tolerância a herbicidas.

A outra grande novidade é a forma de plantio da cana-de-açúcar. Essa atividade dispendiosa é realizada da mesma forma desde 1532, quando a cultura foi introduzida no Brasil. A primeira grande mudança só ocorreria nos anos 2000 com a mecanização para plantio em larga escala de acordo com os dados do IAC. Todos os métodos até hoje se basearam no plantio dos toletes enterrados. Isso significa que é necessário tem um campo de cana-de-açúcar integralmente dedicado para se produzir as plantas, que serão cortadas em pequenos fragmentos, para a seguir serem plantadas em campos produtivos, onde germinarão e darão origem a uma nova planta. Entretanto, a partir de 2012 já se tem a tecnologia da muda pré-brotada ou MPB. Esse é o primeiro avanço significativo em 480 anos. Essa metodologia traz inúmeras vantagens em relação ao método tradicional, como por exemplo a taxa de multiplicação. No método tradicional essa taxa é de 1:3 ou seja, só é possível o plantio de três hectares se estiver disponível um hectare para fornecimento dos toletes. Já com o método MPB essa taxa de multiplicação é de 1:50 e se em consórcio com o método conhecido como meiosi, essa taxa chega até 1:5000. Essas taxas de multiplicação parta reforma significam que anteriormente seriam necessários 2500 hectares de área de viveiro para produção de toletes para reforma de 7500 ha em um exemplo fictício de uma propriedade de 50 mil hectares e com 15% área de reforma por ano. Com o método MPB essa área reduz para 150 hectares e o consórcio MPB + Meiosi seriam necessários apenas 15 hectares para se reformar os mesmo 7500 hectares. Isso resulta em mais área liberada para plantio que poderiam garantir um acréscimo de lucro bruto variando de 32,6 a 34, 5 milhões de reais, considerando uma produtividade média de 85 toneladas por hectare e preço de ATR em torno de 1,16 Reais. Entre outros benefícios destaca-se que por se trabalhar em uma área reduzida de viveiro, haveria ganhos na pureza genética do material a ser plantado e maior qualidade fitossanitária. Além disso, a metodologia da MPB permitiria uma adoção mais rápida de novos materiais genéticos. Hoje uma nova variedade genética pode levar até três anos para ocupar uma área significativa da propriedade do exemplo. Já com o método MPB esse tempo reduziria para apenas 1,5 anos.

Em termos de mudanças no sistema de plantio, após 10 anos de pesquisas, o CTC anunciou que está próximo de lançar o seu primeiro produto de cana semente. O projeto lançado em 2012 passou pela prova de conceito em 2016, ganho de escala em 2018, teve seus primeiros testes de campo em 2019, em 2020 se aprimorou a automação do sistema, em 2021 foi a etapa do encapsulamento e em 2022 foram testados os conceitos de sistemas de plantio. O método revolucionário promete aproximar a cana-de-açúcar de outras gramíneas como o milho e o trigo. Como bem sabemos milho e trigo são plantados via semente, o que não é possível para cana-de-áçucar. A ideia ao longo desses anos de pesquisa foi desenvolver uma semente artificial. O detalhes do método são segredos industriais, mas se sabe que de apenas um palmito de cana-de-açúcar seria possível produzir 12 milhões de sementes que permitiria o plantio de 1000 hectares. Isso quer dizer que toda a área brasileira de produção de cana-de-açúcar poderia ser plantada a partir de 1500 hectares originais. Os benefícios desta tecnologia chegarão a mais de 17 mil Reais por hectare, considerando melhorias em sanidade e qualidade de plantio, eficiências nas operações, redução no número de cortes e antecipação de entrada de novas variedades genéticas, eliminação de viveiros, sem contar logística, arrendamentos, insumos e outros.

Os primeiros plantios em escala pré-comercial ocorrerão em 2023 com expectativa da implantação da primeira planta industrial de produção de sementes em 2025. O CTC ainda pretende levar essa mesma tecnologia para outras culturas. Estamos a um passo da maior revolução de todos os tempos na produção de cana-de-açúcar, a semente sintética.

Mas nem por isso o melhoramento genético tradicional deixará de ser importante. Por isso o IAC continua a pleno vapor com seu programa de melhoramento genético de cana-de-açúcar e anunciou o lançamento de duas novas variedades. Essas novas variedades prometem um ganho de 8,4 a 9,2% em relação as variedades mais adotadas no momento. Esses dados são resultados de mais de 800 experimentos realizados com esses materiais genéticos, o que garante que de fato há uma oportunidade de aumento de até 10% na produtividade da cana-de-açúcar nos próximos anos.

Editado por:

Mateus Mondin

Professor Doutor / Departamento de Genética – ESALQ

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro