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Soluções tecnológicas da universidade ao mercado

O país se tornou uma grande referência global em produção de alimentos no mundo, quando acertadamente fez a junção das mentes criativas de dentro dos laboratórios com agentes que trouxeram demandas de forma objetiva. Foi assim com a conquista do cerrado e de outras fronteiras agrícolas, sem falar da circularidade criada no setor sucroenergético, hoje considerados um dos melhores exemplos do mundo em sustentabilidade e balanço de caborno. Esses avanços foram resultados de uma frutífera relação entre a academia e o mercado, provando que o conhecimento científico gera riquezas de alto valor agregado. Para que essa interface fosse de sucesso, os pesquisadores precisaram deixar o pensamento horizontal de suas pesquisas e realizar as conexões necessárias com agentes que tinham demandas para soluções de problemas técnicos, de serviços e de produtos. Há muito mais dentro das universidades e institutos de pesquisa do que se possa imaginar e precisamos continuar esse processo de integração de mentes da academia com o setor produtivo de qualquer forma – atesta Wagner Lucena da EMBRAPA-CENARGEM.

Estamos vivendo um momento propício em que há demandas de mercado, resultados da ciência e pressão social para a transformação e geração de riquezas. Por isso é importante que as instituições formem ligações e promovam a junção de interesses para que novos saltos significativos possam ocorrer em termos de inovação para o agronegócio – reforça Wagner Lucena. Atualmente o país não conta com um sistema estabelecido de fluxo para a transferência de tecnologia, embora hajam iniciativas pulverizadas por diversas entidades e agências estatais. A criação de um sistema de transferência do conhecimento científico para a sua transformação em tecnologia tem que ocorrer sem que necessariamente o pesquisador deixe seu trabalho natural – argumenta Mateus Mondin da ESALQ/USP. É necessário criar sistemas profissionais de gestão de transferência tecnológica, com pessoas treinadas e capacitadas para isso – reforça o professor.

A facetada formação do cientista-empreendedor no Brasil

Existe uma crise instalada no sistema acadêmico brasileiro, com universidades em crise, institutos de pesquisas sem financiamento e muitos caminhando para o sucateamento e ao mesmo tempo uma formação incessante de novos doutores. Dentro deste cenário caótico, os jovens pesquisadores têm apenas dois caminhos: um é imigrar para outros países e outro é empreender. Assunto esse que tratamos anteriormente em outra matéria.

Para aqueles que optam por ficar no país, a trajetória empreendedora torna-se a grande alternativa. Para Diego Siqueira, Diretor Executivo da Quanticum, a formação em Y foi fundamental. Para o executivo-cientista a formação em engenharia agronômica com especialização em matemática aplicada, precisou andar em paralelo com a atuação em divulgação científica. Isso lhe trouxe uma forma diferente de ver as oportunidades.

Existe uma aversão entre a academia e o mercado que não pode existir, por exemplo, muitas empresas não assumem a sua gênese acadêmica com medo de algum tipo de preconceito do mercado e isso é um tanto estranho – relata Diego. A interação da academia com o mercado, através de parcerias é fundamental para que possamos integrar soluções e estas gerarem novas tecnologias – conclui Diego.

Para o professor e empreendedor Marcelo Rodrigues da Universidade de Brasília a transformação veio quando ele dentro da academia se viu compelido a trabalhar com novos desafios. O professor vinha de uma longa experiência na aplicação de nanopartículas em luminescência e em tratamento para o câncer, quando decidiu dar uma guinada e voltar seus olhos para soluções voltadas para questões da produção de alimentos. Não houve saída; com o avanço do conhecimento científico, o laboratório foi ficando pequeno e a necessidade de se colocar a solução aonde ela deveria estar, fez com que uma startup fosse iniciada. Apesar de toda a via legal na criação de uma empresa totalmente focada em sustentabilidade e na produção de solução quase que integralmente feita com carbono orgânico, o professor enfrentou [e enfrenta] uma série de preconceitos por parte de outros colegas da academia.

Existe um voto de celibato e pobreza dentro da academia brasileira que impede com que os conhecimentos científicos se tornem em riquezas e mecanismos de transformação social – atestam Marcelo e Mateus. Quando a academia desempenha plenamente o seu papel, que é literalmente impulsionar de diversas forma a sociedade, e isso significa gerar riquezas e empregos, somos tratados como que traindo os propósitos da instituição – propósitos esses nebulosos e estranhos ao que deve ser uma universidade – reforçam os professores.

A universidade e seus professores são as chaves para o sucesso dos profissionais

A universidade precisa ter em mente que o papel central do docente é influenciar pessoas, que é diferente de doutrinar. É fundamental que tenhamos um grande portfólio de professores, dos cientistas mais fundamentais aos empreendedores mais radicais, pois é essa amplitude de perfis que trazem mudança de cultura e abre oportunidade para os diferentes tipos de perfis profissionais que estão sendo incubados na forma de estudantes dentro da universidade. Se a instituição tem um único tipo de perfil docente, certamente os seus egressos terão uma visão limitada de mundo – destaca Mateus Mondin da ESALQ/USP. Os professores que passam pelo processo empreendedor ganham uma nova dimensão sobre a sala de aula e a forma de ensinar seus alunos – argumenta Marcelo Rodrigues da Universidade de Brasília. Notem que os perfis não são excludentes e sim complementares, pois seria muito frustrante para um estudante com perfil totalmente científico, ter aulas apenas com professores empreendedores e o contrário também seria verdadeiro. Porém, um estudante com um perfil totalmente científico, pode ganhar uma perspectiva muito mais ampla e clara de seu pensar acadêmico e seu impacto no futuro será mais relevante. Da mesma forma que o estudante empreendedor terá uma visão muito mais clara do valor da ciência dentro dos negócios que pode gerar. Essa é uma integração realmente disruptiva em termos de educação.

Por outro lado, temos uma academia cada vez mais fechada com professores com dificuldades de praticarem exercícios de humildade no que diz respeito a ouvir as demandas que vêm da sociedade. Existe uma preocupação única e centrada nos índices e fatores cienciométricos e esse certamente é o principal empecilho para o processo de criação e geração de soluções – debatem os professores.

É fundamental que deixemos de lado os egocentrismos acadêmicos e nos voltemos para a realidade da sociedade e então teremos uma melhor compreensão e um reencontro com nosso papel universitário frente ao mundo em que vivemos. Isso passa por uma transdiciplinaridade, pouco explorada no país – afirma Diego Siqueira. Quando olhamos para trás e vemos da descoberta do DNA a conquista do cerrado, temos a certeza que o resultado das interações transcendem a lógica – completa Diego.

Para Pedro Dusso, CEO da Aegro a experiência ofertada pela universidade que lhe abriu os olhos para o que queria no futuro. Como estagiário da incubadora de inovação da Universidade Ferderal do Rio Grande do Sul, teve a oportunidade de ver a inovação e a transferência tecnológica por uma outra perspectiva e isso o motivou a mostrar novas oportunidades para os demais estudantes. Foi isso que o motivou a fazer o mestrado e não necessariamente a vontade de seguir uma carreira acadêmica. A sede por aprender um domínio específico foi a chave para poder visualizar suas inúmeras aplicações que iriam muito além da própria instrumentação técnica que o curso oferecia. Toda essa experiência vivida na universidade fez com que a sua startup tivesse um foco muito forte na validação da solução no campo. De nada adiantava para nós uma série de capacitações, se a nossa solução tecnológica não funcionasse no campo – testifica Pedro Dusso.

A visão sobre a solução de um problema não necessariamente virá de um especialista

A ruptura de paradigmas dificilmente virá dos especialistas, mas sim daqueles inconformados com o status quo – afirma Wagner Lucena. Não se pode considerar isoladamente o tamanho do problema e da demanda, e sim o impacto que a solução pode ter dentro de toda uma cadeia de valor. Com isso, é necessário que o conhecimento seja circulado de uma forma ampla, pois nesse trânsito outros serão levados a pensar como avançar e propor novos caminhos. É preciso que no caso de problemas complexos seja mudado o ponto de referência. Isso significa que quando uma escola inteira está toda voltada para um problema, mas com um paradigma tratado como absoluto, pouco provavelmente haverá o surgimento de uma solução. O conhecimento estabelecido se torna limitado frente ao que a demanda externa está apresentando e com isso é necessário se desafiar o paradigma imposto, sendo que em alguns cenários essas mudanças demandam grande volumes de investimentos – contextualiza Wagner Lucena.

É o caso da gênese da própria EMBRAPA que para poder atender uma demanda imposta pelo mercado, mas com uma escola completamente saturada e fixa em um paradigma, começa enviar seus recursos humanos para fora do país, para que novos referenciais fossem criados. Isso demandou um investimento robusto e de longo prazo, mas que retornou com ganhos de autonomia e sustentação de modelos próprios.

Existe uma lógica dentro das startups de sucesso e é a diversidade de pessoas com diferentes backgrounds. Em empresas onde há a concentração de um só tipo de especialistas da mesma área normalmente há uma cegueira coletiva de oportunidades, pois sempre se avalia os cenários pela mesma perspectiva. Dentro das startups de tecnologia digital no agro, o triângulo, agrônomo-programador-gestor tem se mostrado o mais bem sucedido, pois as chances de concentração em um paradigma tende a se diluir pelas experiências distintas, levando a uma melhor visualização da solução de problemas – argumenta Mateus Mondin.

É urgente uma revisão da formação de recursos humanos no Brasil

Como já falado anteriormente o sistema brasileiro de ciência e pesquisa é baseado inteiramente em numerologia, a chamada cienciometria, e não em um projeto de soluções de problemas. As pesquisas não são definidas pela sua capacidade de resolver problemas ou trazer soluções, mas sim se ela permitirá que se atinja alguns índices estabelecidos de impactos e citações, que retroalimentam o egocentrismo acadêmico. Não há espaço para a discussão de teorias e de questões profundamente científicas, principalmente se elas demandarem tempo, não gerarem publicações e pior ainda, se não puderem ser citadas por seus pares no exterior. Surge então perguntas que devem ser feitas e apresentadas para o sistema de ensino superior do país, como: onde estão nossos grandes desafios? Onde queremos chegar? O que queremos como sociedade? O que queremos como participantes de um cenário global? – destaca Marcelo Rodrigues.

Claramente ficar atendendo às estatísticas internacionais e nacionais tem levado nosso sistema de formação de pessoal de nível superior a uma crise nunca antes vista. Formamos mão de obra qualificada que acaba em subempregos e isso não é contabilizado e nem aparece nas estatísticas. E a razão disso é a falta de um projeto claro de ciência para o país e a super-valorização de números que não retornam para a sociedade o seu potencial – reforça Marcelo Rodrigues.

Os cientista por terem maior grau de desenvolvimento intelectual, uma visão de mundo diferenciada e com melhores capacitações, deveriam ser os primeiros a fazerem um exercício de se voltar para os problemas do país e terem um ouvido mais aguçado para a sociedade – argumenta Wagner Lucena. Foi no exercício desta humildade que tive a chance de ver o melhor e  o maior potencial das minhas descobertas científicas – destaca Marcelo Rodrigues.

Não há um projeto de longo prazo para deixarmos de ser exportadores de commodities e passarmos a vender tecnologia. Com isso perdemos uma grande oportunidade, pois entre os grandes prejuízos está o êxodo de cérebros para a consequente importação de tecnologias criadas fora do país por esses mesmo cérebros que são resultados do investimento da sociedade – atesta Marcelo Rodrigues.

O investimento na formação de cérebros é altíssimo e não podemos aceitar esse êxodo como algo natural, quando não é. Um doutor formado no Brasil e que deixa o país para trabalhar em outro lugar por melhores condições de trabalho e remuneração, representa um prejuízo enorme para a sociedade brasileira que investiu na formação dessa pessoa e posteriormente não colhe os frutos esperados. Claro que não estamos impondo e nem impedindo a liberdade de ir e vir do cidadão, mas sim de que precisamos mecanismos de retenção desses potenciais intelectuais ou não faz o mínimo sentido continuarmos investindo nisso. É uma questão estratégica – argumenta Mateus Mondin. Há que se pensar em como melhorar o sistema de ciência, inovação e tecnologia no Brasil e isso passa por uma integração e um fluxo contínuo entre academia e o setor privado para a geração de riqueza – reforça o professor.

Somos uma sociedade acanhada e norteada por padrões questionáveis sobre geração de riqueza e sucesso. É necessária e urgente a mudança de percepção de oportunidade – destaca Diego Siqueira. Em uma recente conferência virtual, anunciei que ofereceria um estágio na minha empresa com valor altamente competitivo, bem melhor do que o de uma bolsa de estudos; o único requisito era que a pessoa abrisse sua câmera e interagisse comigo, o que não aconteceu – relata Diego. É assustador pensar que esse é um padrão de comportamento do futuro doutor, um profissional tímido, acuado e com pouca percepção de oportunidade. Isso pode ser resultado desse sistema que ser remunerado pelo seu conhecimento no Brasil é visto como uma ofensa ao sistema acadêmico – complementa Marcelo Rodrigues.

O sistema universitário brasileiro é inflacionado com a oferta de cursos de qualidade questionável, seja em graduação como em pós-graduação. Criamos a ideia equivocada de que só tem valor quem faz um curso de graduação, o que não é verdade. Na Alemanha, por exemplo, é do ensino técnico que sai a maior parte dos empreendedores – comenta Pedro Dusso. Um profissional desqualificado é um grande prejuízo social, pois além de gerar um impacto econômico negativo, gera-se ainda um prejuízo psicológico muito grande no indivíduo que em algum momento se depara com a realidade de não ser o que disseram que ele seria profissionalmente – reforça Mateus Mondin. No Brasil estamos pulando etapas para fazermos números. Enquanto vemos um setor produtivo clamando por técnicos de alta qualidade, oferecemos ao mercado profissionais com diplomas de elevado nível de titulação mas com baixíssima qualidade em termos de formação.

É necessário que mudemos a forma de se ver e de se quantificar a ciência no Brasil. É fundamental que a sociedade entenda em termos de PIB [Produto Interno Bruto] o que significa fazer e produzir ciência. De nada adianta sermos a décima nação em termos de produção de artigos científicos no mundo, se não somos capazes de transformar esse conhecimento científico em riqueza e mudanças sociais – finaliza Marcelo Rodrigues.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro

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Essa matéria é resultado do evento StartTrends – EMBRAPA: Agricultura e empreendedorismo com base em ciência, que contou com a participação do Dr. Wagner Alexandre Lucena – EMBRAPA-CENARGEM, Prof. Dr. Marcelo Oliveira Rodrigues – Universidade de Brasília e fundador da Krilltech Nanoagrotech, Dr. Diego Siqueira – Diretor Executivo da Quanticum, M.Sc. Pedro Dusso – CEO da Aegro e Prof. Dr. Mateus Mondin – Departamento de Genética – ESALQ-USP