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O silencioso sofrimento das mulheres das startups

Como o machismo ainda impera nas startups de agfoodtech

Quando pensamos em startups, imediatamente nos vem uma imagem de um mundo totalmente novo. Nessa imagem podemos ver a tecnologia, uma rede de informações fluída, uma comunicação harmoniosa e tranquila entre as partes. Com certeza, também nos remete a um mundo mais equalitário, sem preconceitos, sem discriminação de gêneros ou de raças. Realmente quando entramos no mundo das startups parece que chegamos no mundo perfeito, no mundo que tanto sonhamos; um mundo melhor, justo, equilibrado e sustentável. Não é por menos que vemos centenas de milhares de jovens entusiasmados em entrar nesse mundo. É justo, pois queremos um mundo melhor e isso é inquestionável e inegociável.

Ao longo da minha jornada pelo mundo da inovação e do empreendedorismo, tive a chance de visitar dezenas de lugares interessantíssimos, devotados a construir esse novo mundo. São hubs de startups, aceleradoras, incubadoras, parques tecnológicos e todos os tipos e configurações de coworking. Também tive a chance de participar de mais de uma centena de eventos, de mostras, apresentações de pitchs, hackatons, seminários, congressos, festivais e todo o tipo de configuração cool que um evento envolvendo startups pode ter. É quase inimaginável. Nessas andanças encontrei todo o tipo de gente, dos mais tradicionais aos menos convencionais, e invariavelmente o ambiente sempre é muito fora de série, pois temos essa sensação de que entramos no mundo perfeito. Dos bate-papos, ao convívio, tudo flui de uma forma muito natural e tranquila. Na estética dos lugares, fossem físicos ou eventos, sempre com cores e design intimista, as frases de motivação e os chamamentos para esse mundo novo e melhor, são sempre recorrentes e quase uma regra. Não houve um espaço sequer que eu tenha visitado, que eu não tenha visto esse mesmo padrão. Nessas andanças notei que mesmo no mundo agro, super tradicional e conservador, esses modelos estavam naturalmente ocupando todos os espaços. E os discursos eram sempre os mesmos, no sentindo da inclusão, da igualdade, da diversidade, algo bastante interessante e necessário no ambiente do agronegócio.

É muito agradável e fascinante adentrar nesse mundo e acreditar que estamos caminhando para o mundo perfeito. Me lembro que logo que cheguei à Colorado State University, com o Vale do Piracicaba – AgTech Valley atingindo seu auge, eu mesmo descrevia o mundo das startups como esse mundo maravilhoso e revolucionário, não apenas na transformação tecnológica, mas também na transformação social. Para isso, basta ver como descrevi o valor do Vale do Piracicaba – AgTech Valley. Porém, aprendi uma lição valiosa nesse período, com meu host e grande amigo professor Gregory Graff, que tínhamos que separar ruído e realidade ou que tínhamos que soprar a poeira para ver o que de fato havia por baixo.

Foi então que nos debruçamos sobre os números para entendermos melhor o mundo das startups de agfoodtech brasileiras. Nessa análise de aproximadamente 200 startups, outro colaborador, o professor Andrew Zimbroff da University of Nebraska-Lincoln, nos chamou a atenção para a questão das mulheres. Basicamente dois números foram surpreendentes, quase metade das startups não tinham mulheres em seus quadros e uma quantidade significativa de startups se recusaram a apresentar o números de mulheres em seus quadros. Quando esses números eram cruzados com a informação do tamanho do quadro de funcionários das empresas, o quadro que se formava era ainda mais assustador. A diferença de gênero era brutal. Em todas as empresas analisadas as mulheres nunca chegaram a representar metade do quadro de funcionários.Como nosso estudo não era focado nessa questão, não conseguimos nos aprofundar mais e também não conseguimos explorar melhor as mulheres no mundo das startups de agfoodtech brasileiras. Mas, sem dúvida nenhuma, o que vi com os números me incomodou demais.

Não é novidade para ninguém que o mundo agrário é extremamente machista e preconceituoso. O que é inadmissível. As histórias de mulheres assediadas, discriminadas, maltratadas e humilhadas são infinitas. Confesso porém, que cheguei acreditar que isso pudesse ser diferente no maravilhoso mundo das startups de agfoodtech, mesmo depois de ter visto os números do meu próprio estudo. Eu realmente queria acreditar no discurso que sempre via nos espaços e nos eventos.

Foi então que decidi ficar mais atento na trajetória da minha esposa e de suas amigas. Comecei prestar mais atenção nas conversas e bate-papos para entender para que direção estávamos caminhando. Confesso que fiquei assustado. Os relatos dessas mulheres que trabalham em startups de agfoodtech, vão de agressões, gritos e ofensas verbais até assédio moral e sexual. Não consegui ver nenhuma diferença entre as histórias de profissionais mulheres em setores tradicionais do agronegócio, daquelas trabalhando em startups. Das histórias que mais me assustaram, dou destaque para aquelas de homens em posição de liderança, que se sentindo ameaçados por mulheres muito mais bem preparadas e competentes, agridem de forma covarde essas profissionais.

Na história mais recente que ouvi, uma profissional trazida para uma startup, superou em competência o próprio fundador da empresa. Sem a menor chance de competir com uma mulher muito bem preparada, iniciou o seu ataque machista implacável, o que não foi suficiente para minar a força dessa mulher. Após muita agressão a solução foi a demissão da profissional, mesmo que isso comprometesse os resultados da empresa. Era insuportável para ele se render e aceitar que uma mulher pudesse supera-lo. Obviamente ela saiu esgotada e emocionalmente abalada após meses de assédio. O que lamento mais ainda é o silêncio, é a não exposição do agressor, é o sofrimento calada, com medo de uma suposta má fama e retalhação velada dentro de um processo contratação em uma nova empresa.

É crucial que as mulheres não se calem diante da agressão. É lamentável para mim ver que todo o discurso que vemos e ouvimos nos espaços e eventos para startups talvez sejam apenas ruído e poeira sobre um mundo mais inclusivo e equalitário.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro