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O agro do futuro é sem biológicos

A ciência de hoje mostra que no futuro não dependeremos dos microrganismo

O mercado de biológicos cresce vertiginosamente no mundo todo e a uma velocidade tão incrível, que já se fala em uma substituição massiva dos insumos tradicionais. Essa explosão de produtos biológicos vem em boa hora. Falamos muito sobre sustentabilidade e incutido nesse conceito vai uma gama enorme de coisas. Pode-se falar da eliminação de contaminantes ambientais graves, mas pode-se falar da contaminação dos próprios agricultores. Pode-se falar da fixação de carbono e pode-se falar de uma agricultura regenerativa. Aparentemente, tudo é válido em um momento que o que está em jogo é a alimentação de mais de 9 bilhões de seres humanos até 2050, somando-se ainda mudanças climáticas que beiram a catástrofe. Esse ano de 2023, tivemos o mês de julho mais quente de toda a história.

Os biológicos são de fato, o melhor investimento no momento e não há dúvidas que representam a maior revolução na agricultura, desde a revolução verde. Esses produtos em sua grande parte compostos por microrganismos são realmente uma quebra de paradigma para tudo o que se fazia em termos de produção agrícola. Os benefícios que eles trazem até o momento são quase incalculáveis, principalmente quando pensamos no nível de degradação biológica que o sistema anterior levou. Além disso, tivemos uma avalanche de pesquisas nesta área na mesma proporção. São milhares e milhares de artigos científicos publicados nos últimos anos, na busca por novos organismos que possam ser produtáveis, mecanismos de interações sendo desvendados e um mundo molecular ainda desconhecido, sendo pouco a pouco revelado. Para se ter uma ideia do impacto disso, a maior parte das vagas para a acadêmia no mundo, isso quer dizer vagas como pesquisadores-professores, hoje giram em torno desse assunto. Há uma verdadeira febre científica sobre microrganismos com potencial de aplicação na agricultura. E obviamente que isso é bom e deve crescer ainda mais no próximos anos.

Paralelamente a isso o número de empresas nesse mercado, também continuará a crescer e o número de produtos será quase infinito e as opções a mais diversa possível, para praticamente todo o tipo de problema em que se possa pensar. Arrisco a dizer que ainda nem começamos a explorar todo o potencial que esses organismos podem oferecer, pois ainda conhecemos muito pouco sobre ele.

Perguntado recentemente se eu acreditava que as soluções biológicas eram uma bolha, a resposta foi sim, para o espanto geral das pessoas. Todos estão acostumados me verem falar sobre produtos biológicos, soluções biológicas e muito das minhas publicações científicas são sobre esse assunto e não porque eu lidere essas pesquisas, mas porque trabalho colaborando com grupo excelentes nesse assunto.

Para tranquilizar meus ouvintes, aliviei eles dizendo que não precisavam se preocupar e que podem continuar investindo em biológicos tranquilamente, nas startups que vão surgir e confiar nos produtos, pois temos muito que crescer, como apontam todos os números e como descrevi no início do texto.

Porém como cientista, meu olhar é para um futuro muito distante e que talvez muitos de nós, inclusive eu, nem estejamos mais aqui para vê-lo. Toda a análise que faço é baseada em dados e na leitura de um grande número de trabalhos científicos, além de conversas com os maiores especialistas sobre o assunto. São nessas ocasiões que tenho a chance de fisgar algumas tendência e compara-las com aquilo que vemos aplicado e fazer algumas futurologias. Claro que sou muito cuidadoso, pois toda e qualquer previsão é passível de grandes chances de erros. É como uma grande loteria, em que apesar de milhares de milhões de apostas, apenas às vezes uma ganha a bolada toda.

Então, de onde vem essa ideia de que o agro do futuro é sem biológicos?

Primeiramente, toda e qualquer tecnologia funciona como bolha e como toda bolha, uma hora ela estoura. Relembremos do caso mais clássico de todos, a bolha da internet no início dos anos 2000, que como uma onda alavancou todo mundo para cima e de repente, tudo veio abaixo. Nos dias atuais estamos vivendo o fim das bolhas das redes sociais. Acreditem ou não ela está estourando. Assim como vimos o apogeu e a queda das criptomoedas. Veremos em breve, se já não estamos vendo, dos streaming de vídeos. Dos próprios e-commerces, também aparentemente é uma bolha que já foi. E acredite, vivemos nos últimos anos uma grande bolha de agtech, foodtech e agfintech que, pelo menos em termos de Brasil parece que já estourou.

Veja que esse é um ciclo natural e que não significa que seja o fim de uma determinada tecnologia. O que acontece é que, quando algo novo surge, há um fôlego de esperança, uma motivação muito positiva, uma aceleração nos investimentos, um crescimento de tudo, mas se analisarmos com calma, tudo isso tem características de um processo inflacionário e insustentável. Quando esse processo atinge seu ponto máximo inflacionário, ele explodirá e levará toda a cadeia para um nível mais normal. É exatamente o que estamos vendo com as startups de agro e food no Brasil hoje. E isso é muito bom, pois significa que amadurecemos e que os valores e as expectativas permaneceram definitivamente dentro de uma campo real. Não há espaços para especulações.

Nessa dinâmica tecnológica há um certo misticismo, que eu particularmente não consigo entender, de que cada novidade será a salvação da humanidade. Imaculamos toda nova tecnologia promissora e é isso que estamos fazendo atualmente com as soluções biológicas.

Se deixarmos a paixão de lado, veremos que os produtos biológicos tem suas fragilidades. Um exemplo, é que esses produtos não causariam mal a saúde. Eu pensava assim também, até que recentemente fui afligido com um problema pulmonar, possivelmente causado por um microrganismo que inalei em uma câmara fria de conservação de sementes. Nunca havia me passado pela cabeça que isso poderia acontecer. Agora, imagine para um asmático, trabalhar com esporos de fungos ou bactérias. Eu imagino que os risco não são poucos e por conta da ideia de que esses produtos não fazem mal, muitos operadores trabalham sem equipamentos de proteção individual. Outro ponto interessante é de que não se criaria riscos de seleção para resistência. Esse ponto para mil é alarmante. Não consigo imaginar porque a seleção natural deixaria de atuar com produtos biológicos. Claro que existem várias regras biológicas que mostram que há um equilíbrio natural para ambos os lados. Entretanto, isso só valeria se fosse um sistema natural e no caso, modificamos a pressão de seleção drasticamente, quando fazemos uma aplicação de produtos. Então, pelas regras da biologia, em muito pouco tempo teremos casos de resistência associada ao uso de produtos de base biológica. Existem outros problemas, como por exemplo, levar organismos de um lugar para o outro, pois é imprevisível seu comportamento. Não há garantias que um organismo que em um determinado ambiente tem ação protetiva, em outro, teria uma ação patogênica. Há problemas de ordem técnica que até acredito que possam ser resolvidos, mas as pesquisas científicas já mostram rumos diferentes.

Não estou condenando de maneira nenhuma essas soluções biológicas, mas apenas passando uma ideia menos romântica e mais próxima da natureza e de suas leis. Haja vista o problema dos transgênicos. Ninguém previa 25 anos atrás que essa tecnologia pudesse ser quebrada tão rapidamente pela seleção natural e hoje sofremos com alguns problemas bem difíceis de solução e recorremos a velhas tecnologias do passado.

No futuro devemos voltar para as moléculas, porém não mais como fizemos no passado. Não mais carregaremos a biomassa que hoje embarca praticamente todo produto biológico. Em todo grupo avançado de pesquisa que tenho a chance de me envolver, a direção parece a mesma, desde os compostos ativos produzidos pelos microrganismos até moléculas voláteis que determinam o comportamento do sistema microbiológico. Estamos nos questionando sobre quais são os agentes químicos que promoveriam a melhor modulação de microrganismos na rizosfera e que favoreceria o crescimento e a proteção das plantas. Também temos olhado para dentro das plantas cultivadas e nos perguntado, o que elas deveriam produzir em termos químicos para atrair os organismos certo para seu melhor desempenho. Não ficamos presos apenas aos organismos vivos, pois tenho visto um acelerado crescimento das nanopartículas aplicadas à agricultura e nesse caso não como coadjuvante, mas como ator principal. Já temos notícias de nanopartículas que teriam ações análogas aos hormônios vegetais, por exemplo. Tenho visto de perto o desenvolvimento de tecnologias de priming, que condicionariam a planta a um tipo de resposta, muito antes mesmo dela sofre um determinado tipo de estresse. Isso poderia levar inclusive a um sistema, lá no futuro, onde nem insumos para controle fitopatógenos ou insetos pragas seriam necessários. Meu leitor não tem ideia de quantos laboratórios no mundo estão trabalhando no desenvolvimento desses sistemas.

Eu realmente não saberia precisar de que tempo estou tratando, se seria daqui 30 anos, 50 anos, 70 anos ou mais. Talvez algumas destas maravilhas tecnológicas eu ainda tenha tempo de ver em prática. Mas enquanto elas não chegam, o negócio é usufruir daquilo que temos de melhor e produzir os melhores resultados para a humanidade, até que as novidades que ainda estão nos laboratórios, possam vir substitui-las.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro