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Na pegada do carbono – parte 3

A hora e a vez do agronegócio

O exuberante verde das nossas plantas é um sinal de que a vida é sustentável e elas são os protagonistas dessa história. O verde de nossas árvores, dos nossos gramados e das nossas plantações é o resultado de um sistema molecular incrível chamado fotossíntese. Nesse processo a luz solar é captada pela planta, exceto a de cor verde que é devolvida ou refletida e por isso vemos nossos vegetais desta cor. Pode parecer um tanto confuso, mas sempre veremos a cor que de fato é refletida por não ter sido absorvida. Mesmo assim, o verde é um sinal maravilhoso, que nos indica que uma molécula de carbono está sendo fixada dentro da célula  no chamado Ciclo de Calvin. Nesse ciclo a energia luminosa na forma de fótons age sobre a água e o gás carbônico para gerar um carboidrato e oxigênio respirável. Esse complexo de reações químicas é bem mais sofisticado do que essa explicação simplória, mas o que nos importa entender, é que as plantas capturam o carbono da atmosfera e o fixa na forma de um tipo de açúcar e ainda libera o oxigênio que respiramos. Assim, as plantas são verdadeiras usinas naturais de ciclagem do CO2, estabelecendo o que chamamos de fixação biológica do carbono.

Portanto, quando olhamos para nossos campos de produção agrícola, todo aquele verde é sinônimo de carbono fora da atmosfera e menos impacto climático. Pode até parecer controverso, frente ao que se escuta nas mídias, mas não estamos tratando de meras opinões vagas e sim de fatos químicos mensuráveis. O sistema de produção agrícola é a única operação humana que tem a capacidade de fixar carbono atmosférico. Para criar o contraponto, basta analisar qual é a atividade humana nas grandes cidades que consegue tal feito. A resposta até o momento é nenhuma.

Embora no sistema agrícola ainda tenhamos uma dependência de combustíveis fósseis e muitos produtos sejam geradores de gases de efeito estufa, a atividade ainda pode ter um saldo positivo. Isso significa que o sistema de produção agrícola pode absorver mais carbono do que emite. E isso não é algo distante ou irreal. Por exemplo, muitas usinas de processamento de cana-de-açúcar já operam com saldo positivo no balanço emissão-absorção de carbono por adotarem inúmeras práticas conservacionistas e programas de sustentabilidade ambiental.

Esse saldo positivo é chamado de crédito carbono. Cada crédito carbono corresponde a uma tonelada de CO2 que foi fixado pela planta e deixou de ser emitido para a atmosfera. Para se ter uma ideia da dinâmica desse ciclo, uma plantação de árvores cobrindo um único hectare consegue reter aproximadamente 30 toneladas de CO2 por ano. Mas isso não é um privilégio das árvores e toda a planta tem essa capacidade. Por isso o crédito de carbono se transformou no sistema global para mitigação dos gases do efeito estufa.  O conceito nasceu em 1997 na Convenção do Clima da ONU, mas entrou em vigor apenas em 2005 com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto. O valor do crédito de carbono ainda é muito variável, sendo que no mercado global os preços podem estar entre US$ 1,20 e US$ 40 por tonelada de carbono. No Brasil o valor está em torno de US$ 5. Esses valores dependem muito do mercado aonde está sendo operado os créditos.

Todo esse sistema ainda é muito novo e apenas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima de 2021 (COP26) é que as regras do crédito de carbono foram definidas, com a participação de 190 países. Como resultado no final de 2022 tivemos o primeiro leilão bem sucedido de venda de créditos de carbono pela startup MyCarbon da Minerva Foods. Foram negociados 1 milhão de toneladas de gases de efeito estufa do tipo mercado voluntário, totalmente auditado e certificado.

Em vista disso a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) acredita que o Brasil tem potencial para ser o maior exportador de crédito de carbono do mundo. Para isso a confederação se baseou em um estudo encomendado à WayCarbon pela ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional). No estudo a consultoria levantou que o Brasil pode gerar receitas da ordem de US$ 100 bilhões até 2030, com parcela significativa vinda da agricultura. Para que isso seja alcançado será necessário uma forte intensificação na mudança de modelo de produção agrícola. A adoção de técnicas de manejo de solo que evitem o revolvimento, como o cultivo mínimo ou o plantio direto, o manejo integrado de pragas com uso mais intenso de bioinseticidas, a substituição de insumos químicos por insumos de base natural para fertilidade e proteção dos cultivos, são alguns exemplos de tecnologias que contribuem decisivamente para essa mudança, levando a produção rural para um patamar diferenciado em termos de sustentabilidade.

O entusiasmo por parte dos produtores com relação ao mercado de crédito de carbono exige muita cautela. Primeiro porque os especialista advertem que o foco deve ser a melhoria do sistema de produção agrícola e os ganhos em sustentabilidade, enquanto a remuneração como um incentivo para aqueles que adotam essas boas práticas, deve ser visto como uma consequência. Isso se deve ao fato de que ainda é necessária uma métrica para medir todo esse carbono do sistema agrícola e essa tarefa não é fácil e nem simples, embora saibamos do seu potencial. A maior parte das metodologias em vigor hoje, tem um custo operacional superior ao valor do crédito de carbono, o que inviabiliza de forma contundente o mercado.

De olho nessa oportunidade e nos obstáculos que ainda se impõe para sua viabilização, o Brasil tem investido forte para o desenvolvimento de uma tecnologia que possa fazer dessas quantificações de carbono, algo mais barato e que libere a operação desse mercado bilionário e estratégico para o país. O passo mais significativo nesse sentido foi dado pela Agrorobótica que adaptou a Espectroscopia de Plasma Induzido por Laser (LIBS, na sigla em inglês), utilizada pela NASA para explorar solos extraterrestres, para medir as reservas de carbono das culturas da região tropical. A tecnologia resolve um dos problemas mais críticos em termos técnicos para a viabilização do mercado de crédito de carbono, que é o MRV de Medição, Relato e Verificação. A máquina desenvolvida pela startup é capaz de processar e registrar as informações sobre as características físicas e químicas de cada solo. Os resultados obtidos são transformados em uma série de números e mapas que auxilia na certificação do carbono da propriedade, garantindo a origem dos créditos no mercado voluntário. Atualmente são aproximadamente 400 produtores fazendo uso da tecnologia em 14 estados do país, todos buscando se aproveitar de forma pioneira dessa oportunidade de remuneração extra e como recompensa pela coragem na mudança para um sistema de agricultura regenerativo.

O mais importante nessa trajetória foi a aprovação da metodologia pela Verra, uma certificadora internacional que realizou uma revisão de toda a metodologia de certificação. Isso abre de imediato um mercado de mais de US$ 2 bilhões para os produtores brasileiros, com base nos números consolidados do ano de 2021.

Na pegada do carbono notamos que ainda há muito chão a ser percorrido, há muita tecnologia a ser desenvolvida e há um mercado inteiro que precisa ser consolidado. Notamos que o Brasil tem a grande chance de ser o maior protagonista dessa nova etapa da humanidade. Porém o mais notável de tudo, é que o agronegócio deixa o injusto papel de vilão, para assumir o seu merecido lugar de herói da sobrevivência e manutenção sustentável da humanidade na terra.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro