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Entenda porque a Ucrânia é uma potência do AgTech mundial

É lamentável o que vivenciamos nesse último mês em relação a Ucrânia e qualquer análise ou matéria que considere outro cenário que não apenas os ucranianos, será totalmente injusta ou egoísta. De fato, há muitas perdas em diferentes aspectos das economia local e global, descorrente do conflito, mas nenhuma delas será equiparada às perdas humanas.

Naturalmente, fala-se dos impactos nos mercados mundiais, no suprimento de alimentos e energia, nos embargos à Rússia, em crise de fertilizantes e de uma assustadora inflação. Porém permita-nos falar de uma aspecto pouco comentado sobre esse país incrível chamado Ucrânia.

Apesar de parecer pequeno, o país representa uma fronteira da produção agrícola global. Pode parecer incrível, mas a Ucrânia possui a décima maior área agricultável do mundo. São mais de 339 mil quilômetros quadrados de área, principalmente composto por solo extra-férteis ricos em fósforo, ácidos fosfóricos e amonia. Esse solo conhecido como chernozem (chernossolo) pode conter de 4% a 16% de humus e tem alta capacidade para retenção de umidade. Portanto, são regiões que naturalmente possuem os principais elementos de nutrição para as plantas, fazendo desse pequeno país do leste europeu, uma singularidade em termos agrícolas. 

Não bastasse essa riqueza em solos, a Ucrânia ainda conta com uma forte indústria de amônia, uma das fontes mais importantes para nitrogênio como fertilizante agrícola. Isso faz com que o país seja praticamente autossuficiente em insumos para produção de alimentos.

Não é por menos que a Ucrânia estava entre os dez maiores produtores de trigo, milho, cevada, centeio, batata e outros, além de hotifruti, aves, ovos e mel. Deixamos por último o girassol, considerada a flor nacional, onde a Ucrânia se destaca como produtor líder e maior exportador global do óleo de girassol.

Em termos locais, a produção agrícola representava entre 17% e 20% do PIB ucraniano, com mais de 30% das exportações sendo responsabilidade para o setor. Fica evidente o temor do restante da Europa com relação a segurança alimentar.

O outro lado desta história, que poucos conhecem, é o ecossistema de inovação que se gerou em torno do agronegócio ucraniano. O país chegou criar oficialmente um ecossistema para startups, que infelizmente encontra-se com o site da web fora do ar. O AgTech Ukraine era comandado pelo CEO Yuriy Petruk, o qual ainda mantém um perfil ativo pelo LinkedIn. Dentro desse ecossistema encontra-se startups com a Top Lead que coordenava todo o marketing e a comunicação das ações de inovação, inclusive com a elaboração de mapas e relatórios (reports) sobre as tecnologias para o agronegócio, desenvolvidas pelo país.

No coração das novidades AgTechs ucranianas, a digitalização tem grande destaque. A startup AgroHub, por exemplo, é formada por um time de analistas que desenvolvem analytics para sete das principais culturas do país. Além disso, possuem experiência em proteção de cultivos, fertilizantes, sementes e outros. Atualmente a startup tem em seu portfólio cerca de 2,5 milhões de hectares analizados em 19 regiões, além de manter fortes relações de parceria com o AgFunder, McKinsey & Company, FinanceInMotion e Unit.City.

Outra startup nessa mesma frente é a Agrieye especializada em sensoriamento remoto e inteligência artificial. A empresa oferece monitoramento em tempo quase-real, previsão de clima, condições fitossanitárias dos cultivos, monitoramento de radiação fitoativa e cobertura por neve das áreas de cultivo, algo muito relevante para uma região de inverno rigoroso e janelas de plantios muito estreitas. Em maio de 2016 a Agrieye recebeu um investimento da ordem de 150 mil dólares do EasyPay Group, o que demonstra que a startup vinha ganhando robustes e maturidade de negócios.

O intraempreededorismo também é fomentado nesse ambiente, tanto que o Kusto Group, uma holding fundada nos anos de 1990 e com forte enfase em industria de mineração, energia e produção de materiais de construção, não exitou em abrir sua frente chamada Kusto Agro Group. Uma verdadeira startup dentro de um grupo consolidado e com operações voltadas para produção de grãos, elevadores de grão, trading e transporte. O diferencial da empresa é o desenvolvimento de conceitos inovativos de negócios nessas frentes.

Apesar de parecerem poucos esses exemplos, a cidade de Kiev, que recentemente contava com quase 3 milhões de pessoas, era classficada na 34ª posição de um ranking global de mil cidades com alto potencial de inovação, superando cidades como Helsinque, Munique e Dublin, segundo a StartupBlink Ecossystem.

De acordo com dados da TechUkraine, outro hub de inovação criado para fomentar o desenvolvimento de startups no país, apontam que de maneira geral  o setor de tecnologia ucraniano exporta mais de US$ 4,5 bilhões em serviços e possui cerca de 160 mil profissionais atuando em mais de 4 mil empresas. Os investimentos nas empresas ucranianas de tecnologia somam mais de 1 bilhão de dólares em investimentos desde 2013. Esse fluxo significativo de recursos fez com que o país se tornasse um dos maiores destinos de financiamentos para startups do Leste Europeu. 

Apenas em termos de programadores de software calculasse que atualmente existam mais de 200 mil próximos do fronte de guerra. O país tornou-se uma espécie de centro de desenvolvimento de softwares, com uma força de trabalho técnica bem-educada e com custos mais acessíveis do que o restante da Europa. O resultado disso é uma forte terceirização de serviços de engenharia e desenvolvimento de startups europeias para dentro da Ucrânia. Dessa forma não há como negligenciar a contribuição do capital humano ucraniano para a agrotecnologia.

E o futuro pós-guerra, o que ele sinaliza para a Ucrânia? Aparentemente não há grandes segredos e o país voltará a investir em uma agricultura totalmente digital. Até pelas condições geográficas, a agricultura de precisão, o uso de sensores e drones, dados e robótica devem ajudar no reenguimento do país, com soluções próprias e de startups de outros países. Certamente avançarão muito para uma produção mais sustentável, com altos rendimentos de colheitas, uso eficiente da água e sensível redução no uso de insumos agrícolas e agroquímicos. Rezamos apenas para que esse futuro brilhante esteja muito próximo para o povo ucraniano.

Mateus Mondin 

Professor Doutor 

Departamento de Genética 

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ 

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro