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Desafios e perspectivas da robótica e automação do campo

Modelos de negócios alternativos e garantia de investimentos são a chave do sucesso

Tem sido bastante comum a circulação de vídeos exibindo máquinas autônomas em operação. De diferentes tipos tamanhos e finalidades, ao que tudo indica a robótica é a mais nova onda da operacionalização agrícola. Ao longo dos anos nos familiarizamos com máquinas colhedoras ou colheitadeiras trabalhando nos campos e gerando as famosas e fabulosas imagens em triângulos nos grande chapadões de produção. Até hoje essas máquinas foram dependentes de um operador, normalmente muito capacitado, principalmente pela delicadeza da operação, bem como pelos altos custos de aquisição destes equipamentos. Milho, soja, arroz, trigo, centeio, cevada, algodão e muitas outras commodities agrícolas tem a vantagem de poderem utilizar dessas máquinas e agora vislumbrar sua automatização, pois esses cultivos apresentam grande uniformidade de tamanho, crescimento e amadurecimento. Aparentemente não há desafios maiores para a entrada de tratores autônomos e robôs nesse sistema. Já há exemplos em ação de tratores 100% autônomos operando na pulverização de campos de produção de citrus no Brasil. Embora sejam equipamentos produzidos on-demand ou as a service na modalidade locação, a operação dos pulverizadores autônomos já está em modo comercial.

Há outros vídeos em circulação ainda mais futuristas onde vemos produtos extremamente delicados sendo colhidos. Nesses vídeos podemos desfrutar do gostinho do futuro com máquinas colhendo morangos no ponto correto de maturação, assim como tomates e framboesas. Entretanto, sabemos que a automação dessas culturas continua sendo um grande desafio. Diferentemente das grandes commodities agrícolas, esses cultivos especiais, apresentam uma série de desafios para a implementação da robótica e automatização, que incluem uma grande variabilidade no ponto de maturidade dos frutos, tamanhos e formas irregulares, diversidade de variedades com características únicas, sem falar da própria delicadeza do fruto, que pode ser facilmente danificado fisicamente. No processo de colheita manual das culturas especiais, a mão de obra precisa ser muito bem treinada e qualificada para tomar decisões sobre o ponto de colheita, baseada em uma avaliação visual. Esse complexo sistema tem dificultado grandemente a automatização e a robotização desses sistemas de produção, pois ainda não há uma tecnologia que seja capaz de substituir nossos sentidos humanos. A precisão cerebral, a sensibilidade do toque manual para a tomada da decisão, a clareza do olho humano para distinguir cores e perceber tons, ainda não puderam ser copiados. Por outro lado, apresentam uma limitação crítica, o cansaço. Mesmo com toda nossa capacidade, ficar concentrado por horas e horas nessas operações, levam o ser humano a um esgotamento e a falhas e mudanças nos seus critérios de seleção. Um outro grande problema que assola os sistemas de produção é a escassez de mão de obra e seu custo cada dia mais alto.

Não há como se esquecer que esses cultivos ainda precisam de manutenções como as podas, o rigoroso controle de plantas invasoras, a detecção rápida e precisa da presença de patógenos, que continuam a cargo dos seres humanos, ainda que vejamos nos vídeos muitas destas operações sendo feitas por equipamentos autônomos.

Isso não quer dizer que não houve avanços nas tecnologias que serão empregadas nesses sistemas. Narizes artificiais como o desenvolvido pela Embrapa, articulações robóticas com sensores de toques, câmeras de alta resolução e precisão, sistemas como LIDAR, softwares de leitura e diferenciação espectral, tudo tem contribuído para que os desafios sejam superados e a automação chegue de forma acelerada nesses sistemas de produção, especialmente de hortifruti (HF) e flores. Naturalmente essas soluções tecnológicas passam ser intermediadas e oferecidas pelas startups que apostam nessa nova onda, como é o caso da FramWise, Tortuga AgTech, Advanced Farm Technologies e Carbon Robotics, apenas para citar algumas.

Existe ainda um grande debate social sobre a automação dos sistemas de produção agrícola, que é a substituição da mão de obra humana por uma máquina. Historicamente vemos que isso está em fase final na produção de commodities agrícolas. O número de pessoas empregadas na operação foi diminuindo ao longo do tempo, seja pelo êxodo rural, seja pelo aparecimento de tecnologias para suprir exatamente essa falta de pessoas e aparentemente não causam mais uma grande comoção do público geral como no passado. Porém isso não se aplica para os cultivos especiais. Por estarem mais próximos dos centros urbanos e demandarem grande mão de obra, o debate sobre essa substituição ainda é bastante acalorado, mesmo com a automação ainda sendo um futuro um pouco distante.

Embora o debate seja válido, sobre a substituição dos homens pelas máquinas, a própria engenharia terá que superar um grande número de desafios para uma oferta de soluções que realmente leve a uma mudança de paradigma neste sistema de produção. Segundo Koji Hasegawa, gerente geral da Kubota Innovation Center Silicon Valley, há dois pontos críticos, sendo que o primeiro diz respeito ao custo dos possíveis robôs e o segundo é o valor agregado gerado.

 Para o primeiro caso, Hasegawa orienta que as startups precisam estar atentas em como melhorar os Custo dos Bens Vendidos (COGS) e as Despesas Operacionais (OPEX). O especialista alerta que nenhum ser humano será substituído se os custos de automação forem maiores que os custos do uso da mão de obra convencional. É tudo uma questão financeira de quanto cada sistema irá impactar no custo final da operação.

No segundo caso, Hasegawa, chama a atenção para a geração de um valor pelos robôs que não podem ser gerados pelo ser humano. Um exemplo disso, é o uso das máquinas como coletores de dados em grandes volumes que podem ser processados e utilizados para uma melhoria na eficiência da produção. Um ser humano tem a capacidade limitada em anotar centenas de informações simultâneas, até mesmo porque, está utilizando grande parte da sua energia para o próprio processo de tomada de decisão para a operação específica que está realizando. Já os robôs, embarcados com grandes quantidades de sensores, podem fazer isso de forma muito natural. De fato, a maior parte dos maquinários utilizados na operação agrícola com commodities já fazem isso de forma rotineira. Informações sobre posicionamento por GNSS (Sistema Global de Navegação por Satélite), sobre a produção, sobre a qualidade, sobre o solo, produção de biomassa, entre outros, podem ser convertidos para sistemas especiais de produção e gerar um grande big-data que levará diretamente ao analytics e consequentemente a mudanças no sistema de produção, tornando-o mais eficiente e sustentável. Um exemplo, seria a redução do uso de agroquímicos. Os cultivos especiais tem o maior uso de insumos por metro quadrado e um sistema de análise de dados poderia levar a uma drástica redução do uso dessas moléculas e consequentemente levando a produção de alimentos mais saudáveis. Esse tipo de valor não pode ser gerado por um ser humano de forma óbvia e viável.

Porém o fator mais limitante para uma entrada robusta da automação em todos os sistemas de produção agrícola, seja ele de commodities, seja ele de cultivo especiais, é o investimento. De acordo com Hasegawa, para que haja uma expansão significativa das startups desse setor, são necessários investimentos robustos por parte dos investidores, que precisarão ter um pleno entendimento do tempo necessário para o scale-up dessas empresas e o retorno dos seus investimentos. É fundamental a garantia de capital de trabalho durante o período de expansão, pois são muitos os fatores envolvidos na produção agrícola. O fato de estar susceptível ao ambiente e os ciclos de safras longo, fazem com que as validações das tecnologias tenham um timing diferente de outras categorias de inovações. Além disso, o ciclo de aquisição de tecnologias no agronegócio é bem diferenciado e determinado por vários fatores culturais. Normalmente o produtor faz testes e muitos destes em áreas pequenas que não representam sua realidade de operação, o que gera a desconfiança com relação a tudo o que é novo.

Uma saída inicial para a entrada da automação e da robótica no campo seria a adoção de modelos do tipo RaaS (Robot as a Service) ou de leasing com a oferta de serviços, sugere Hasegawa. Isso ajudaria contornar o problema de recursos escassos para produzir robôs em massa nesse início da onda de automação e garantiria a introdução da tecnologia com ganho da confiança do usuário final, o produtor rural.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro