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Bioherbicidas – uma revolução anunciada

Os números são realmente grandes e impressionam muito já que o mercado global de herbicidas saltou de US$ 34.37 bilhões [~ R$ 173 bilhões]  em 2022 para US$ 38.04 bilhões [~ R$ 192 bilhões] em 2023, o que representa um crescimento (CAGR – compound annual growth rate) de 10,7%, de acordo com o Herbicides Global Market Report 2023 da The Business Research Company. Apenas para dar uma dimensão do crescimento deste setor em 2009 o mercado global de herbicidas estava em aproximadamente US$ 32 bilhões. Nesse mesmo ano de 2009 apenas o glifosato, princípio ativo do Round-up, e seus derivados foi consumido na ordem de 90 mil toneladas apenas no Brasil. Não é por pouco que os herbicidas representam a classe mais consumida de defensivos agrícolas no Brasil. Há muitas justificativas para o crescente uso dos herbicidas no mundo. Para se dar uma ideia de perdas com a invasão de plantas daninhas nos cultivos, na cana-de-açúcar a falta de controle pode levar a perdas da ordem de 80%. O uso de tecnologias transgênicas como as culturas resistentes aos princípios ativos de herbicidas associado ao uso das próprias moléculas para o controle das plantas daninhas trouxe como consequência o aparecimento de várias plantas resistentes como a buva [Conyzza spp.], o capim-amargoso [Digitaria insularis], o capim-pé-de-galinha [Eleusine indica], os carurus [Amaranthus retroflexus e Amaranthus viridis], dentre outras e apenas para citar alguns casos.

Na mesma proporção do crescimento de uso dos herbicidas, também são as pressões sócio-ambientais, principalmente aquelas com relação a possíveis efeitos danosos dessas moléculas para a saúde humana e para o ambiente. Há muita controvérsia sobre o assunto, mas o fato é que com os movimentos de uma agricultura regenerativa e a urgente necessidade de uma produção mais sustentável e ambientalmente sadia, é eminente o surgimento de alternativas tecnológicas que possam permitir uma mudança significativa nesse ponto do sistema produtivo.

De qualquer forma o crescimento no uso de herbicidas no mundo está numericamente na contramão de outras frentes do mercado de insumos e defensivos agrícolas. O uso de produtos biológicos para controle de pragas e doenças, uso eficiente dos nutrientes e fertilizantes, promoção e condicionamento do crescimento de plantas, tem crescido de forma muito rápida nos últimos anos, ao ponto de haver muitas incertezas com relação aos números. Por exemplo, há fontes que dizem que apenas em 2023 a comercialização de inoculantes deve crescer na casa dos 15%, mas outras fontes citam que o setor deve crescer na casa dos 45% na safra 2022/2023 que está se encerrando. Há uma perspectiva de que o mercado de biológicos irá movimentar alguma coisa na ordem de 6,2 bilhões de Reais até 2025, sendo que alguns especialistas consideram esse número muito conservador frente ao crescimento do mercado.

Entretanto, apesar de toda essa expansão no mercado de biológicos, ainda não há nada em termos de tecnologia que faça frente aos herbicidas. Os chamados bioherbicidas é sem dúvida alguma a mais promissora frente dentro do mundo dos produtos biológicos. Conceitualmente o bioherbicida deve ser qualquer microrganismo ou derivados do mesmo que possa causa efeito de forma específica a uma planta reconhecidamente como daninha. Isso quer dizer que esse organismo ou derivado não pode causar efeitos sobre a planta cultivada de interesse. Os bioherbicidas devem ser menos prejudiciais ao meio ambiente do que os herbicidas químicos. Um dos grande problemas hoje é que as moléculas químicas demoram muito tempo para se degradar, enquanto os mecanismos de ação de um possível bioherbicida não causariam efeitos danosos ao ambiente e seriam prontamente degradados.

A ideia de um bioherbicida não é algo novo e de fato existem alguns casos de registro de comercialização no mundo. O primeiro bioherbicida registrado no mundo, ocorreu em 1981, quando o fungo Phytophthora palmivora foi lançado para o controle do Milkweed Vine nas plantações de Citrus da Flórida nos Estado Unidos. Essa classe de bioherbicidas é conhecida como micoherbicidas, isso quer dizer que o princípio efetivo para o controle é a base de um fungo. Outro exemplo desta classe é o fungo Colletotrichum gloeosporioides que teve seu primeiro registro comercial em 1982 e que devido a suas diferentes formas já foi demonstrado ser efetivo contra algumas espécies de plantas invasoras. Atualmente existem cerca de 20 produtos comerciais denominados como bioherbicidas a venda nos Estados Unidos, Canadá, Holanda, China e África do Sul, porém ainda não há efetivamente nenhum registro no Brasil. Isso não quer dizer que o país esteve parado com relação ao desenvolvimento deste tipo de tecnologia. Já em 1980 a EMBRAPA Soja trabalhava de forma pioneira no desenvolvimento de um micoherbicida o controle da planta daninha conhecida como leiteira [Euphorbia heterophylla].

 Recentemente um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Piauí publicou um artigo no periódico científico Scientific Reports demonstrando o potencial bioherbicida de algumas espécies vegetais contra uma espécie de picão [Bidens bipinnata]. No caso em particular partiu-se do princípio alelopático que algumas plantas possuem contra outras. As espécies que exibiram melhores resultados foram a mamona [Ricinus communis] e a pimenta-de-macaco [Piper tuberculatum]. Os resultados compõem uma dissertação de mestrado conduzida por Robson Willian Nunes Lopes, orientado pela professora Francisca Diana da Silva Araújo.

Na semana passada a Universidade Federal de Santa Maria anunciou uma parceria com a Transfertech, uma empresa especializada em gestão da inovação, para o desenvolvimento de um herbicida biológico. O projeto prevê um investimento de R$ 680 mil e promete, se bem sucedido entregar de fato o primeiro produto registrado desta categoria no Brasil. O projeto coordenado pelo professor Marcio Antonio Mazutti demonstrou que o microrganismo isolado apresenta resultados muito próximos daqueles obtidos pelo uso do glifosato. A base deste novo potencial produto com efeitos herbicidas é o fungo Fusarium fujikuroi. Entretanto, um dos grandes gargalos na produção é a escala, sendo necessário ampliar consideravelmente este ponto crítico para que sua produção seja economicamente viável.

É evidente que os bioherbicidas têm um enorme potencial para o efetivo controle de plantas daninhas e que as pesquisas fundamentais feitas em universidades e instituto de pesquisas começam a ganhar propulsão e deixarem as bancadas do laboratórios para o mundo da transferência de tecnologia. Embora os desafios sejam muitos, fica evidente que essa é a nova fronteira do universo dos produtos biológicos e certamente o lançamento de produtos efetivos promoverá uma nova revolução na produção de alimentos em um sistema de produção mais sustentável. Acredito que a hora para se investir seja agora para se conseguir usufruir da prodigiosa onda que esses produtos irão gerar em alguns anos, com ganhos e crescimentos incalculáveis.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro