A-Tech - Subcaderno: Mundo / Banner-Home /


África, o continente do AgFoodTech – Parte 3

No caminho de minimizar o desperdício de alimentos e da produção agrícola o continente africano aposta na circularidade

A África se mostra muito sedutora quando pensamos em inovação tecnológica e empreendedorismo. Talvez o continente Africano seja singular no mundo moderno em termos de oportunidades para investimentos em startups e também se mostra um mercado muito interessante quando se pensa na internacionalização de startups. Como vimos nas duas matérias anteriores, várias startups americanas, australianas, alemãs e outras, estão aproveitando a onde de desenvolvimento africano.

Nessa última matéria da série, irei apresentar uma das frentes mais promissoras de avanços e ganhos econômicos. Sabemos que o problema de desperdício de alimentos é grave no mundo todo e a principal causa da insegurança alimentar moderna. Na África esses problemas são ainda mais intensos, uma vez que a falta de tecnologia e de logística, comprometem significativamente a produção agrícola. Os governos africanos têm investido de forma maciça em programas de extensão e educação voltados para os produtores rurais, especialmente com foco para a conservação, estocagem e redução dos desperdícios. As autoridades políticas acreditam que o avanço da digitalização das pessoas no continente, fará com que a penetração dos programas de educação ganhem forças nos próximos anos. Para se ter uma ideia as projeções apontam que até 2025, mais de dois terços da África Subsaariana estará conectada através de celulares.

O continente marcado pelas tragédias de fomes, clama por soluções tecnológicas que possam sanar a equação fornecimento de nutrientes para a população, estabelecimento de uma comunidade rural mais resiliente e o sistema de abastecimento dos mercados dos grandes centros. Para se ter uma ideia da importância deste tema, a FAO tem calculado que aproximadamente 37% de tudo o que é produzido em termos de alimentos na África Subsaariana , é desperdiçado. Isso significa que cada pessoa desta região deixa de ter nas mãos cerca de 150 Kg de alimento por ano, o que daria aproximadamente meio quilogramas de alimento por habitante da região por dia do ano. É uma quantidade muito significativa de alimentos desperdiçados. Entre os produtos com maiores perdas estão os cereais, as raízes e tubérculos.

O desperdício da produção de alimentos traz outros problemas, pois leva a uma aceleração do desmatamento, a extinção de animais selvagens e a fragilidade dos ecosistemas. Além disso, em primeira instância o desperdício da produção agrícola representa perdas significativas de água, energia, fertilizantes, terra, insumos fitossanitários e outros, tornando a segurança alimentar ainda mais suscetível e delicada.

A maior parte da perda da produção agrícola na África, deve-se a falta de conexão entre o campo e as cidades, a falta de estrutura nas propriedades rurais, onde muitas vezes não há energia elétrica e nem câmaras para resfriamentos dos produtos e a falta de acesso rápido para o escoamento da produção para as indústria de processamento. Como abordamos na primeira matérias, vimos que várias startups estão oferecendo soluções para armazenamento com cadeia de frio garantida. Devemos lembrar também que, a grande parte dos produtores africanos são pequenos. Uma das soluções para reduzir o desperdício seria a agregação de valor através do processamento das matérias primas, por exemplo, a transformação da mandioca em farinha ou a produção de frutas secas a partir de energia solar, poderiam não apenas resolver parte do problema, mas também trazer um valor maior para o produto e consequentemente um maior ganho para os produtores.

É por isso que as atenções governamentais se voltam para temas como a circularidade e ações para o desperdício zero. Considerando-se esse cenário crítico como uma oportunidade, temos toda a cadeia de valor da produção agrícola e de alimentos a disposição. Explorar e valorizar o que está se perdendo pode prover ganhos econômicos enormes e com a implementação de soluções advindas das startups, ainda seriam criados empregos e um avanço social para o desenvolvimento das comunidades rurais. Nesse sentido o Banco de Desenvolvimento Africano tem um programa com aporte de 520 milhões de dólares para investimentos em 17 países com o plano de acabar com a fome e garantir a segurança alimentar.

São várias as startups atuando nesse segmento, sendo elas africanas, internacionais e parceiras. A seguir apresentamos algumas que estão oferencendo soluções interessantes para minimizar o desperdício de alimentos.

CassVita – trata-se de uma startup mista com pedigree camaronês e base nos Estados Unidos. Essa empresa compra diretamente a produção de mandioca dos produtores e através de uma tecnologia própria de base não revelada, prometem aumenta a durabilidade da matéria prima de 3 dias para dezoito meses.

Proteen – mais uma parceria internacional, desta vez a startup é da Uganda em parceria com a Alemanha. O foco da empresa está no desperdício de alimentos das cidades, fazendo a transformação deste tipo de resíduo em fertilizantes e também proteínas. A abordagem biotecnológica da empresa é o uso das larvas de mosca-soldado-negro para converter os resíduos em proteínas que são utilizadas para complementação da alimentação do gado e de peixes.

Taimba – essa startup Quênia tem como foco batatas, cebolas, cenouras e tomates, por terem uma vulnerabilidade maior as sazonalidades de preços e o tempo de prateleira muito curto. Para isso a empresa oferece uma plataforma de relacionamento B2B entre os produtores e os revendedores. Através do sistema é possível garantir preços mais competitivos e diminuição dos custos e desafios logísticos.

Zowasel – a startup que vem da Nigéria tem como proposta a construção de uma cadeia de valor sustentável, o que seria possível através de um sistema de ciência de dados que poderiam impactar a produtividade e a rentabilidade dos produtores. A plataforma desenvolvida pela empresa oferece no mesmo espaço soluções para os produtores, cooperativas, processadores, instituições de financiamento e até outras startups, através de uma sistema que integra marketplace, rastreabilidade, agricultura de precisão, relatórios de mercado e score para crédito.

BMTA&C – vem do Marrocos com tecnologias para resfriamento utilizando-se energia solar. A empresa conta com uma patente depositada para refrigeração off-grid. A oferta da empresa é de solução para pequenos produtores em termos de refrigeração com unidades de baixo custo, tal como outras startups que apresentamos na primeira matérias.

Cupmena – essa startup do Egito tem seu foco no uso dos resíduos de café. Com especial ênfase no uso da borra do café após a transformação da bebida, a empresa utiliza esse resíduo como um substrato para a produção de cogumelos de alto valor de mercado.

Regen Organics – essa startup tem uma mistura de África do Sul, Quênia e Estados Unidos. A empresa atua na mesma linha da Proteen, com a transformação de resíduos orgânicos em proteínas a partir do uso da mosca-soldado-negro. Com um produto enriquecido a 40% no conteúdo de proteínas, chamado de KuzaPro, a empresa oferece solução para a alimentação de aves, suínos e pets.

NetZero – é uma startup de parceria entre Camarões e França. A solução da empresa é a produção do biochar, um tipo de carvão obtido a partir de resíduos orgânicos como das borras do café e do cacau, do bagaço da cana-de-açúcar, das fibras de coco e de diversas outras fontes como as cascas de castanhas e nozes. A empresa garante que esse tipo de carbono de origem vegetal tem propriedades interessantes que podem tem ação na estruturação do solo, melhorando suas propriedades e consequentemente trazendo maior desempenho para os cultivos.

Assim a África apresenta hoje uma convergência de interesses muito interessante para a inovação tecnológica, o empreendedorismo e aos investimentos. Com uma população crescente, com rápida adoção de tecnologias no grandes centros urbanos e sua rápida expansão para a área rural e mais ainda com um claro interesse governamental de se aproveitar a oportunidade de crescimento e enriquecimento do continente africano; a inserção de tecnologias para a produção, garantia do sistema logístico e a minimização dos desperdícios da produção, fazem com que esse seja em breve o mais novo epicentro do movimento AgFoodTech global.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro