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África, o continente do AgFoodTech – Parte 2

Os desafios logísticos representam uma das maiores oportunidades de uso da tecnologia para integração do sistema africano de produção agrícola

Nesta segunda matéria sobre o AgFoodTech no continente Africano, apresentaremos startups e oportunidades que estão diretamente ligadas às questões de infraestrutura. No imaginário do mundo ocidental, o mais comum é imaginar a África como um grande safari. Rodovias totalmente de terras, para não dizer inexistentes; povoados na forma de pequenas tribos, quase que totalmente isolados do mundo, são fortemente reforçados pela mídia televisiva e pelos maravilhosos programas que apresentam o mundo selvagem africano.

Entretanto, o continente está cada vez mais moderno e conectado. A taxa de uso de telefonia celular no continente africano tem aumentado rapidamente nos últimos anos. Segundo dados do Banco Mundial, a taxa de penetração da telefonia celular na África Subsaariana aumentou de aproximadamente 30% em 2010 para mais de 80% em 2020. Essa expansão foi impulsionada pela crescente disponibilidade de serviços de telefonia móvel e pela redução dos custos dos dispositivos e serviços. É claro que há uma necessidade de não se olhar o continente de forma única. Como relatamos na matéria anterior, a característica marcante do continente é a vasta heterogeneidade. Naturalmente os grande centros urbanos tem uma taxa de adoção de tecnologias muita mais rápida do que nas zonas rurais, mas ainda assim, vimos que os agricultores estão se conectando e utilizando soluções digitais para os seus sistemas produtivos.

Em termos de transportes nota-se uma significativa melhoria devido aos pesados investimentos por parte dos governos em estradas e rodovias, que de alguma forma estão melhorando a acessibilidade dos produtores rurais aos principais mercados compradores. Essas melhorias ocorrem principalmente na África Subsaariana.

Entretanto, o imaginário ocidental não está totalmente incorreto. A África ainda enfrenta um grande desafio em infraestrutura, que aos poucos vai melhorando. Ainda é necessário criar interligações entre as rodovias, principalmente aquelas que podem conectar um país aos oceanos. Fazendas, vilarejos e grandes cidades ainda sofrem com o problema logístico. Quando se pensa em cadeia de frio esse desafio é ainda maior, especialmente para produtos perecíveis como as frutas frescas, das quais a África tem grande produção e também de flores. Todos esses produtos tem grande potencial de exportação, mas para se garantir competitivo no mercado internacional o rápido acesso ao escoamento e a manutenção da qualidade são pontos críticos. Atualmente as perdas são enormes dentro deste sistema logístico, sendo que a cadeia de frio sofre enormes problemas de flutuações, comprometendo o armazenamento e consequentemente a renda dos produtores. É por esse motivo que atualmente a cadeia de frio na África é quase dez vezes mais cara do que em qualquer outra parte do mundo.

Por outro lado, esse cenário crítico representa uma oferta de oportunidades para os perfis mais empreendedores. Já há muito tempo digo que toda crise é a grande oportunidade para a construção de novos negócios de sucesso. Se estabelecer em mercados já consolidados é sempre mais complicado do que se colocar em mercados emergentes. Obviamente que isso passa pela resiliência e criatividade do empreendedor. Nesse sentido a África é um oceano de oportunidades. Se pensarmos apenas em infraestrutura, uma startup pode atuar desde a oferta para a solução do apagão logístico da cadeia de frios até a educação para a conscientização da população sobre os benefícios dos avanços tecnológicos e estruturais para seu bem-estar.

Destacamos que as tecnologias voltadas para logística podem ainda contar com investimentos do próprio governo, principalmente se o projeto se voltar para as necessidades de pequenos agricultores, que representam a grande parcela de interesse dos políticos. Soluções para se evitar as perdas pós-colheitas são a outra ponta que deve estar conectada ao sistema logístico, como uma forma de garantir um transporte mais eficiente, seguro e que preserve a qualidade, como relatamos anteriormente.

A seguir apresentamos algumas startups que estão atuando nesse setor e transformando o continente:

Releafessa startup da Nigéria usa a tecnologia em termos de hardware e software para transformar os setor agrícola mais rentável. Com sistemas que vão desde a melhora e eficiência do descasamento de produtos até a digitalização dos processos de supply chain a empresa ainda oferece um sistema de mapeamento geoespacial para melhor localização de empreendimentos de sorte a mitigar riscos logísticos.

Twiga Foods essa startup do Quênia promete transformar o sistema de revenda no continente. O sistema desenvolvido pela empresa conecta consumidores, vendedores e fornecedores. Os sistema atualmente opera em 12 cidades e faz mais de 12 mil entregas diárias. A solução permite ainda que quiosques possam estar conectados e utilizando-se dos benefícios da digitalização.

Cowtribeé a startup que vem de Gana e oferece uma plataforma para distribuição de vacinas animais. Os sistema pode conectar e operar estoques de vacinas e com isso garantir a continuidade de fornecimento sem interrupções, principalmente para os pequenos produtores.

Coldhubsé outra startup da Nigéria, que tem como solução a energia solar para manutenção da cadeia de frio. Com um sistema plug and play é possível se criar grandes salas de armazenamento para preservação dos produtos agrícolas perecíveis. A empresa oferece um sistema no modelo pay-as-you-store, onde o pequeno produtor não precisa adquirir o sistema, mas pode utiliza-lo por demanda e pagando apenas pelo que utilizar.

Lori Systems mais uma startup do Quênia e que oferece uma plataforma logística que opera a otimização de rotas através de 12 países do continente e ainda faz o rastreamento da frota. A empresa já conta com escritórios em Uganda e na Nigéria. Os sistema já utilizado por grandes empresas multinacionais e há o registro de mais de 28 mil caminhões conectados ao sistema.

SokoFreshesta startup é o Quênia e segue a mesma linha de oferta de serviços de estocagem com cadeia de frio da sua concorrente nigeriana. Teve início em 2019 e atualmente atende mais de 7 mil produtores que estocam mais de mil toneladas de produtos perecíveis. A empresa garante um tempo de prateleira [shelf life] de até 20% maior que o convencional. Os sistema oferece câmaras frias com temperaturas variando de 3 a 13 graus Celsius umidade entre 85% e 95%.

Koolboksembora seja um startup francesa, a empresa tem marcado presença forte no território africano, oferecendo sistemas de refrigeração a base de energia solar, nos mesmo modelos que as africanas SokoFresh e Coldhubs.

ZipLine é uma startup dos Estados Unidos que entendeu que sua oferta de tecnologia faria muito sentido para solução dos problemas logísticos na África. A empresa com atuação no Quênia, Costa do Marfim, Ruanda e Nigéria, opera drones de entregas, que superam as principais limitações de rodagem nos países africanos. O foco é a entrega principalmente de suprimentos médicos e veterinários, mas também opera para restaurantes e oferece serviços para revendedores e e-commerces.

Nota-se que não há um limite no uso da tecnologia para transpor os sistema limitantes de logística do continente africano. Desde a aplicação da energia solar para garantir a continuidade da cadeia de frio até o uso de drones que possam alcançar longas distâncias para se fazer entregas, a África se mostra um livro em branco para a criatividade dos empreendedores mais aguçados.

Editado por

Mateus Mondin

Professor Doutor

Departamento de Genética

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ

Universidade de São Paulo

Editor Chefe da StartAgro